A literatura policial, ao contrário do que se costuma pensar, não é uma criação inglesa, mas americana: seu inventor foi Edgard Allan Poe, ainda no século XIX. Ernest Hemingway, por outro lado, é um dos criadores da moderna literatura norte-americana, ao praticar uma linguagem seca, direta, objetiva, que seria aproveitada, por sua vez, pelos clássicos modernos da própria literatura policial ianque, como Dashiell Hammett, Raymond Chandler e Ross Macdonald. Agora, o círculo se fecha: pois em 'Um mistério para Ernest Hemingway', de Michael Atkinson , Hemingway é atirado para dentro de uma história policial, no papel de investigador involuntário de um assassinato. O resultado não poderia ser mais envolvente. Ou surpreendente. Por trás da famosa mitologia que envolve a figura histórica de Hemingway, do egocêntrico cheio de álcool e amargor, da genial celebridade internacional cuja vida não é a grande festa que ele achava que devia ser, lutando com ideias de retidão viril em um mundo tomado pela vida mercantilizada, o autor vê um personagem: ou seja, o Hemingway "real" seria ele mesmo uma criação do famoso escritor. Atkinson inverte então o jogo, criando um retrato mais direto, humano e pungente. Estamos em 1956. O grisalho e irascível prêmio Nobel acorda com uma perna engessada, depois de cair do telhado de sua casa em Key West, Flórida, na tarde anterior, após uma tentativa fracassada de caçar pequenos animais do jardim com uma grande espingarda. Um Hemingway gordo, teimoso, violento, duro, astuto e inacreditavelmente beberrão tem então o seu ócio rudemente interrompido pelo assassinato incomum de um companheiro de copo e contrabandista. Irritado com a polícia e com o arquivamento do caso, Hemingway retoma a trilha dos acontecimentos, o que o atira em um labirinto vertiginoso de bandidos húngaros, CIA, FBI, Fidel Castro, Che Guevara e sexo, no qual ele será seguido, perseguido, ameaçado, sequestrado, entre muitas outras coisas.