'Um modelo para a morte / Os suburbanos / O paraíso dos crentes', de Jorge Luís Borges e Adolfo Bioy Casares, não foi, na verdade, escrito por Borges ou Bioy Casares, mas por B. Suárez Lynch, um discípulo de H. Bustos Domecq. Como, porém, Bustos Domecq é na verdade Borges e Casares, neste livro eles são discípulos de si mesmos. Como seria de esperar, o belo, complexo e sofisticado jogo de xadrez e de espelhos que é a obra de Borges, ao se fundir e confundir com o humor cerebral de Casares, geradesdobramentos que são, de um lado, sérias questões de modernidade literária (envolvendo autoria, paródia, citação, invenção, gênero etc.), e de outro, puro deleite inteligente - como aliás haveria de ser em histórias policiais, que é afinal do que se trata. A tradução é de Maria Paula Gurgel Pinheiro, e o prefácio, de Júlio Pimentel Pinto. 'Um modelo para a morte' é então um desdobramento (em mais de um sentido) da obra de Bustos Domecq, incluindo o gênero, que se poderia chamar de conto policial enxadrístico (desde que se lembre do antigo aforismo segundo o qual o xadrez é muita ciência para ser um mero jogo, e muito jogo para ser somente ciência), e também os principais personagens, como o barbeiro-prisioneiro-detetive-por-dedução Don Isidro Parodi. 'Os suburbanos' e 'O paraíso dos crentes', por sua vez, dão mais uma volta no parafuso moderno, partindo do gênero mais cinematográfico da literatura, o policial, para voltar ao próprio cinema: pois não se trata de contos, e sim de doisroteiros. Ou talvez não. Pois como reconhece o próprio Bioy Casares em seus diários, eles nada entendiam de roteiros. Eventualmente, um deles, o primeiro, foi de fato filmado (Los orilleros, direção Ricardo Luna, 1975, 90 min). Mas isto não passa deuma casualidade ou de uma ironia borgeana. Pois estes são roteiros cinematográficos policiais escritos para serem lidos como os contos policiais que, comumente, parecem ter sido escritos para virarem roteiros.