“Docemente, ao voltar para casa, comecei a recompor o rosto febril de monsieur Reynaud ao mesmo tempo que meditava sobre o soluço do desconhecido monsieur Vallejo. Imagem recorrente, refleti; nos últimos meses era difícil para mim não associar a doença e até a beleza à lembrança de monsieur Reynaud. Era quase meia-noite e eu havia passado o resto da noitada num café do bairro de Passy em companhia de um velho conhecido, alfaiate aposentado que consagrava grande parte do seu tempo ao estudo do mesmerismo. Já não chovia. De alguma maneira, pensei, as pessoas que nos servem de ponte até os pacientes revelam o estado mais profundo destes. Os intermediários como radiografias.”
Franz Mesmer, um médico do século XVIII, desenvolveu um método de tratamento de doenças humanas servindo-se do magnetismo animal - uma técnica precursora da hipnose que ficou mais conhecida pelo conto Revelação mesmérica, de Edgar Allan Poe. Um dos discípulos do mesmerismo, Pierre Pain, é o protagonista deste romance de Roberto Bolaño, escrito no início dos anos 1980.
Na Paris do entreguerras, Pain é contratado por madame Reynaud para ajudar um sul-americano chamado Vallejo, que sofre de um soluço incurável. Outros médicos avaliaram o homem e nada descobriram.
No entanto, logo o protagonista se encontra envolvido em uma conspiração muito maior do que imaginava. Perseguido por dois homens misteriosos que ele julga serem espanhóis, o mesmerista embarca em uma viagem alucinante pelas ruas de Paris, deparando com artistas de vanguarda, filmes raros de ficção científica e complexos labirintos dignos da imaginação de Jorge Luis Borges.
Monsieur Pain, um dos primeiros romances escritos por Bolaño, é uma peça rara em sua obra: um livro atmosférico, repleto de temas caros à literatura de gênero, como o ocultismo, a busca detetivesca e a confusão entre sonho e realidade. Enquanto Pain se deixa levar pelo mistério, as fronteiras entre o que é real e o que é imaginação se dissolvem.
A revelação final, óbvia para os leitores familiarizados com poesia latino-americana, de que o paciente com soluço se trata do famoso poeta peruano César Vallejo, adiciona ainda mais camadas interpretativas a esta estranha história. As circunstâncias da morte de Vallejo, por sinal, continuam enigmáticas até hoje. Por fim, o epílogo adianta uma técnica narrativa que seria depois consagrada por Bolaño: muitas vozes buscando documentar a vida de pessoas, algumas reais, outras fictícias.
“Bolaño é como John Coltrane ensaiando com os Sex Pistols.” - Esquire
“Um sótão surrealista de justaposições inesperadas.” - Will Blythe, The New York Review of Books