Numa São Paulo de 25 mil habitantes, 14 chafarizes e ruas de pedras irregulares parcialmente iluminadas pela precária luz amarela de 200 lampiões, um dos jovens estudantes da Escola de Direito do Largo de São Francisco - os Morcegos, como eram conhecidos, por causa da reluzente e inseparável capa preta do seu uniforme - está sofrendo de um mal terrível. Desatinado, desesperado, impiedosamente desprezado por sua amada, ele tem aquele que é considerado o mais grave mal do século XIX. Não, não é tuberculose, sífilis, tifo nem febre amarela, doenças tão comuns à época. Trata-se de algo ainda mais devastador, uma dor crônica que toma conta do seu corpo, que lhe suga as forças e lhe corrói a alma, fazendo-o ansiar pelo momento da própria morte. Antônio está doente de amor. É nesse clima ultra-romântico, tão característico da segunda geração do romantismo brasileiro, que o escritor Toni Brandão, em seu livro 'Muito Romântico', magistralmente transporta o leitor para a São Paulo real de 1863. Refletindo a habilidade de um aclamado escritor que já vendeu mais de 700 mil livros e o rigor de um pesquisador sensível e obstinado, as palavras de Toni Brandão nos remetem com doçura à São Paulo do final do Império, fazendo-nos sentir o sabor do absinto que regava as mais bem freqüentadas festas, movia a agitação das tabernas e estimulava o submundo paulistano da época. Um período de plena efervescência cultural e econômica, conseqüente ao grande sucesso das exportações de café em substituição ao açúcar. Jornais como o Correio Paulistano e A Província de São Paulo, criados a partir da chegada da família real ao Brasil, faziam circular informações sobre o mundo e, particularmente, sobre a Corte, no Rio de Janeiro. Era grande a expectativa sobre a São Paulo Railways, a linha férrea Santos-Jundiaí. Uma cidade que já se via "excessivamente taxada pelos impostos, oprimida pela violência, com um trânsito de carros de tração animal cada vez mais intenso".