A Argentina, ao longo do século XX, produziu grandes escritores e, particularmente, grandes contistas. Basta citar três nomes: Jorge Luis Borges, Julio Cortazar e Adolfo Bioy Casares. Um desses grandes contistas, apesar de menos conhecido que seus pares fora de seu país de origem, é Antonio Di Benedetto – de quem a Globo acaba de lançar a coletânea Mundo animal e outros contos, com prefácio de Martín Kohan. Os contos de Di Benedetto são curtos, alguns com apenas duas páginas (como “Voamos”), a maioria com cerca de dez páginas. O que, por um lado, de Kafka a Cortazar, segue certa tradição moderna de extrema exigüidade, e por outro lado, denota a maestria de Di Benedetto na história curta – e a síntese significativa é uma arte, se não mais trabalhosa, mais difícil e sutil do que a prosa larga (em que pese Di Benedetto também ter escrito romances). Como resume Martín Kohan no prefácio: “É uma escrita que se controla e se contém, mas deixando ver que há mais, que sempre há mais coisas. Se Di Benedetto se contém, é para conseguir esse milagre de precisão e clareza, esse milagre de justeza que são os seus textos. De resto, o seu fraseado tende para o despojamento, mas brilha igualmente nos períodos longos, rítmicos, sugestivos; as palavras em Di Benedetto parecem se ajustar sempre ao que querem dizer, e, no entanto, acatam o destino de dizer sempre mais do que estão dizendo.” Os contos, de um realismo fluido que beira mas não se deixa levar pelo realismo fantástico, retratam personagens comuns em situações pouco comuns, como o do velho que se revela um contista acabado para o amigo jornalista, mas logo desiste de escrever, com medo da própria imaginação (“Falta de vocação”,), ou o homem que possui um gato que parece um cachorro e afinal revela poder voar, sendo portanto talvez uma ave, o que o leva a constatar a normalidade de nada ser o que parece (“Voamos”).