universo dos contos do autor carioca Chico Rogido é estranho. As histórias que fazem parte de Náufragos do escolho (Ou os 98 infernos possíveis, 63 takes, dois jogos de armar e algumas armas mortais) são curtas. Parecem flashes nos olhos da mosca de um Augusto Monterroso retratando uma realidade cotidiana e controversa. Os contos que, sem meias palavras, devem ter no máximo umas 45 linhas, são compostos por personagens que despertam reações contraditórias no leitor, simultaneamente, ou seja, não são para aqueles com labirintite ou estômago fraco. No decorrer da leitura nos deparamos com a construção de personagens cotidianos quase invisíveis que mimetizam a desenvoltura de quem caminha por uma cidade familiar e ao mesmo tempo caótica. Personagens que veem coisas da janela de um vlt, frequentam quartos de motéis baratos, vultos ordinários que velam por um morto num cemitério que pode ser tanto o de Irajá como o do Tarumã, seres fictícios que ouvem conversas alheias como a de uma filha com uma mãe insensível às suas opções, um papa-defuntos proselitista, ou mesmo um infeliz que toma um knockout num ringue de mma num país distante. Numa combinação de Hitchcock com Robert Altman, Chico Rogido presta uma homenagem a esses coadjuvantes quase invisíveis, que aparecem e desaparecem como num passe de mágica na vida de alguém. Aliás, em se falando de mágica, a referência ao cinema está presente em quase todos os contos dessa literatura insólita de Náufragos do escolho. De Tarkovski ao Soldado Ryan, de Truffaut a Bye bye Brasil, os tais 63 takes do livro envolvem o leitor com uma lábia que engabela, chegando a ponto desse mesmo leitor nem se dar conta se são mesmo 63 os takes nestes 98 infernos possíveis criados pelo autor