Em pouco mais de dois anos, o país do homem cordial se transformou num caldeirão fervilhante e transbordante de ódio, necropolítica e neoliberalismo. Em Necrochorume, o autor recorre à ficção para compreender essa nova face do Brasil. Ou melhor, para tentar desnudar a face oculta de uma nação forjada na violência, onde a antropofagia idealizada pelos modernistas deu lugar ao canibalismo simbólico, como se vê no conto que dá título ao livro e dialoga com Macunaíma. Como este, outros contos buscam referências em clássicos da literatura brasileira, cânones da formação de nossa identidade cultural, para lançar luz a estes tempos. Um possível bisneto do Fabiano de Vidas Secas é o protagonista de “Seco”, no qual um emigrante nordestino no Sudeste tem sua vida devastada, agora não pela fome, mas pela pandemia do covid-19. Um possível parente distante de Isaías Caminha transita por uma redação de jornal no Rio de Janeiro, nos tempos do Golpe contra Dilma Rousseff. As histórias tratam dos dramas humanos e das relações pessoais diante desse novo desenho de sociedade no qual impera o fanatismo político e avança o fascismo, em que o mercado de trabalho é uberizado e as milícias normalizadas, e a intolerância, o ódio de classes e a tensão racial contaminam o cotidiano.