Assim falou Zaratustra pode ser lido como uma tragédia, mais ainda: como uma narrativa dramática cujo núcleo é constituído pela tragédia do conhecimento. O personagem-título, Zaratustra, é o mestre de seus ensinamentos fundamentais. No entanto, a fim de efetivamente sê-lo, ele tem de superar um paradoxo: ele deve, antes, tornar-se o que é. Sendo assim, a principal ação dramática em Assim falou Zaratustra pode ser descrita como trajetória de formação, pela qual o mestre torna-se mestre pela via da autossuperação, ou seja, elevando-se filosófica e existencialmente até a altura espiritual das doutrinas que professa, o que equivale a dizer: conquistando o direito de professá-las. A solução do paradoxo consiste em libertar-se do ressentimento, da sede de vingança, do sentimento de culpa e de falta, da vontade de imputação, ânsia de caluniar, culpabilizar esse mundo da imanência, da proximidade, dos sentidos, em proveito de um ‘além-mundo verdadeiro’, um mundo ideal, metafísico, transcendente, inteligível. Essa libertação da sede de vingança, do rancor, só pode nascer de uma adequada e íntegra relação do homem com o tempo, com o mundo, com as raízes últimas da finitude de seu existir – esse é, para Nietzsche, o único caminho em direção à redenção. O livro de Roberto A. P. de Barros é um excelente guia de viagem para um fascinante percurso pela obra de um dos espíritos mais vigorosos de nossa tradição, tanto no rebelde ímpeto crítico-destrutivo quanto na extraordinária potência de criação e beleza.