Aqueles que leram Também os brancos sabem dançar, de Kalaf Epalanga, devem ter reparado na presença de um afiadíssimo e bem-conectado personagem brasileiro que introduz o próprio autor em nosso universo cultural e musical. Pois esse amigo baiano do escritor e músico angolano é nada menos do que Quito Ribeiro, autor deste romance que tem tudo para ocupar um espaço bastante especial em nossa ficção.
No canto dos ladinos enfeixa e dá sentido a um conjunto de histórias que vão compondo um quadro muito original. São personagens que vivem em bairros afluentes, viajam para conferências no exterior, frequentam bons restaurantes ou trabalham no comércio. Um traço em comum é sua negritude. Outro, o fato de serem figuras difíceis de acomodar nos padrões sociais — e ainda racistas — do Brasil.
“E no Brasil pode ser bem estranho um negro sentar-se num restaurante chique de um bairro de classe alta, usando uma roupa descolada, indo tomar um café da manhã no dia seguinte à virada de ano. Esse é um hábito para brancos brasileiros”, diz a certa altura um personagem de No canto dos ladinos. Com grande habilidade narrativa, Quito Ribeiro traça um quadro amplo do ponto de vista social e delicado do ponto de vista subjetivo. O resultado do encontro desses dois campos de força é uma leitura no mínimo atordoante de nossa vida social.
O ingresso de milhares de estudantes negros às universidades nas últimas duas décadas; a recente e enorme difusão da obra de Frantz Fanon, o fundamental pensador antirracista e anticolonial; a busca por uma ancestralidade cujos registros foram apagados pelos escravizadores; as tradições familiares; o espaço movediço dos negros que dispõem de recursos materiais mas que ainda assim estão sujeitos ao preconceito e à ofensa. Tudo isso aparece neste romance que oferece — com inteligência e num texto que lança mão da ficção, do ensaio e do memorialismo — um painel singular da vida contemporânea brasileira.