A Nova gramática do português brasileiro, de Ataliba Castilho, não é "mais uma gramática", por vários e bons motivos: em vez de ser uma gramática da língua portuguesa, assume ser a gramática do português falado por quase 200 milhões de indivíduos no Brasil; é a obra da vida de um dos mais importantes linguistas que o país já produziu, Ataliba Castilho, da USP, Unicamp, pesquisador do CNPq, consultor do Museu da Língua Portuguesa, líder de importantes equipes que vêm mapeando a fala brasileira. Não por acaso a Fapesp associa-se a esta edição, dando-lhe seu aval. O livro procura dotar os brasileiros de um certificado a mais à sua identidade. Não se trata de um certificado qualquer, pois é na língua que se manifestam os traços mais profundos do que somos, de como pensamos o mundo, de como nos dirigimos ao outro. Faltava clarificar a gramática do português brasileiro, para dar status científico a essa percepção. é o que se faz neste livro, fruto de cinquenta anos de pesquisas, desenvolvidas nas três universidades oficiais paulistas e em várias universidades do exterior. Essa não é uma gramática-lista, cheia de classificações, que começam pela Fonética, atravessam a Morfologia e perdem o fôlego na Sintaxe. Nessas gramáticas, não se vê uma língua, vê-se uma gramática. Nesta obra, o autor focalizou o que se esconde por trás das classificações, identificando os processos criativos do português brasileiro que conduziram aos produtos listados. Ultrapassa-se a barreira da descrição, encaminhando o olhar para o que ocorre também na linguagem mental, pré-verbal. Ultrapassa-se a fronteira da sentença, pois o trabalho tem início no texto. Quando falamos ou quando escrevemos, uma intensa atividade é desencadeada em nossas mentes, com rapidez enorme, acionando-se quatro sistemas linguísticos ao mesmo tempo: o léxico, a semântica, o discurso e a gramática. Esses sistemas são articulados pelos princípios sociocognitivos que regem a conversação, a mais básica das atividades linguísticas. Esse livro foi concebido nos moldes da teoria multissistêmica, de cunho funcionalista-cognitivista, desenvolvida por seu autor. As gramáticas resultam habitualmente do trabalho individual, fundamentando-se na língua literária. Esta gramática tomou outro rumo. Os escritores não trabalham para nos abastecer de regras gramaticais. Eles exploram ao máximo as potencialidades da língua, segundo um projeto estético próprio. As regularidades que as gramáticas identificam devem fundamentar-se no uso comum da língua, quando conversamos, quando lemos jornais, como cidadãos de uma democracia. Isso não exclui a fruição das obras literárias, mas é uma completa inversão de propósitos tomá-las como fundamento para a descrição de uma língua. Por outro lado, as línguas são tão complexas, que é impossível trabalhar solitariamente em sua análise. Levando isso em conta, os linguistas brasileiros conceberam a partir da década de 1970 grandes projetos coletivos, nos quais o autor se envolveu. Essa gramática dá voz a esses pioneiros de uma nova forma de produzir ciência. Suas pesquisas foram filtradas nessa gramática a partir de uma ótica própria, propondo seguidamente ao leitor que se envolva nas pesquisas, transformando-se no linguista-gramático dele mesmo. As gramáticas habitualmente assumem o "estilo-revelação": uma afirmação é feita, o gramático se transforma numa espécie de Moisés que desce dos altos montes e revela aos povos estupefatos... o que está certo e o que está errado em sua linguagem! A Nova gramática do português brasileiro se afastou desse tom monológico, optando por um diálogo em que se sucedem dois textos articulados, um expositivo, e outro indagativo. Na exposição, fala o autor, interpretando os achados da ciência atual. Nas indagações, falam os leitores, por meio das perguntas que se imagina que eles formulariam.