Com relativa autonomia entre si, as nouvelles, stories ou novellas 'O expulso', 'O calmante' e 'O fim' formam a autobiografia em ruínas de um mendigo errante, cheio de laivos de erudição, tão decrépito quanto a sua memória e a sua linguagem. Ele insiste em narrar-se, mas parece declarar a cada frase que quaisquer tentativas nesse sentido estão fadadas ao fracasso. Sob o signo da derrelição, da incomunicabilidade e de uma ironia agônica, esgueira-se pelos subterrâneos da urbe ocidental. É um clochard, sem teto e sem terra, uma emenda incorrigível no texto do mundo, que apesar de tudo conserva uma altivez desconcertante. Daí a sua sintaxe meio troncha, em que a palavra é antes restolho do que semente da expressão, atentando contra todos os estilos elegantes. 'As Novelas' são um dos mais impactantes exemplos de como Beckett consegue recuperar a contrapelo uma certa arte de narrar, ainda que para isso tenha de desafiar o leitor e pôr em risco a integridade do narrador e da própria linguagem. A sua prosa, música e antimúsica, tangencia o silêncio, assim como as suas personagens, vivas e semivivas, jamais acabam de morrer.