O último livro do intelectual e dirigente comunista Lucio Magri, falecido em novembro de 2011 aos 79 anos, O alfaiate de Ulm reúne quase todos os temas de seus escritos anteriores em um único e poderoso testemunho. Magri (1932-2011) foi um dos mais inteligentes e apaixonados protagonistas da história do comunismo italiano. Uma história que deu origem a uma tradição rica e original, capaz de agregar protagonistas de valor absoluto em nível mundial - Antonio Gramsci, Palmiro Togliatti, Enrico Berlinguer e Pietro Ingrao, para citar somente alguns -, mas que depois, entre 1989 e 1991, inesperadamente pôs fim à própria existência, desistindo daquela que, não sem razão, Perry Anderson definiu como uma 'esquerda invertebrada'. Um dos fundadores da revista e do jornal diário Il Manifesto - criado em 1969 com Luciana Castellina, Luigi Pintor e Rossana Rossanda -, Magri esteve entre os que procuraram resistir ao fim do Partido Comunista Italiano (PCI) e que impulsionaram a constituição da Rifondazione Comunista. Por fim, retirou-se para repensar a história do comunismo, não somente o italiano, e as razões que levaram o PCI à dissolução. Dessa reflexiva pesquisa nasceu O alfaiate de Ulm, agora publicado no Brasil pela Boitempo, com tradução de Silvia de Bernardinis e prefácio de Marcos del Roio. Magri relata como o PCI surgiu e declinou, em meio a mudanças na estrutura da economia e da sociedade, levantes sociais e políticos, colisões ideológicas e internacionais, até seu esgotamento final. Um documento estratégico esboçado pelo autor em 1987, antes do colapso do partido, encerra o livro com uma indicação das possíveis alternativas de uma história ainda incompleta.'O alfaiate de Ulm é uma obra imprescindível para a compreensão da história da esquerda. Em primeiro lugar porque a desaparição do maior partido comunista do Ocidente ficaria sem história, incluindo seu triste fim, caso alguém como Magri, com sua trajetória e sua capacidade de análise, não tivesse assumido essa tarefa. Em segundo lugar porque retoma a dura tarefa de fazer balanços das derrotas desde a própria esquerda, sem nenhuma solução fácil - do tipo 'eu sempre disse que isso ia terminar mal' - ou da subestimação do tamanho da derrota, e sem renunciar aos princípios gerais que orientam a esquerda', afirma o sociólogo Emir Sader.O professor italiano Guido Liguori (Università della Calabria), autor do texto de orelha da edição brasileira, concorda que Magri não avalia a história da União Soviética e do movimento comunista somente como um acúmulo de erros. Como militante, tem consciência das escolhas equivocadas, mas também da passagem positiva que o comunismo do século XX representou na história da humanidade. Para ele, 'A trajetória dos comunistas italianos é vista nesse quadro não só como a mais avançada tentativa de confrontar o capitalismo no Ocidente, mas também - graças ao que chama de 'genoma Gramsci' e à qualidade de saber 'fazer política' de Togliatti - como aquela que soube cultivar uma diversidade crescente se comparada ao caminho empreendido no 'Oriente' pelos herdeiros sempre menos dignos da Revolução de Outubro'.Sobre a história do comunismo do século XX, o livro oferece uma interpretação de grande interesse: não somente páginas de história, mas também uma reflexão sobre um possível novo desenvolvimento das forças que, como o alfaiate de Ulm, protagonista do poema homônimo de Brecht, pensa que o homem um dia 'voará', ainda que sua primeira tentativa tenha fracassado.