Publicada pela primeira vez em 1882, esta obra de Machado de Assis dá margem a vários debates, e muitos deles extrapolam o universo da literatura. Nesse texto (conto ou novela — eis aí uma das questões que se podem debater a partir dessa leitura), Machado trata de questões como os limites entre sanidade e loucura, doença e saúde, ciência e verdade, filosofia e senso comum, norma e desvio. E se pode perguntar: como foi possível abrigar essas discussões em uma obra literária criada quando a teoria psicanalítica de Freud ainda estava em pleno processo de produção? O fato é que o sensível observador dos sentimentos e incoerências humanas que foi Machado de Assis, a partir da personagem principal dessa história, o cientista Simão Bacamarte, discute essas questões centrando-as numa pequena vila, Itaguaí. É lá que Bacamarte, depois de ter estudado na Europa, decide abrir uma casa de saúde, para cuidar de loucos ou alienados mentais, conforme se dizia na época. Sua obsessão pelo rigor científico, sua crença indiscutível no saber da ciência, levam-no a tal extremo que já não se sabe se os loucos são os que estão fora ou dentro da casa de saúde, uma vez que esta acaba ficando lotada. Daí o relativismo dos conceitos, a ironia em relação ao raciocínio cientificista que dominava o pensamento do século XIX. E, sobretudo, a lição do analista descrente dos modismos, ainda que os adote quando necessário, de que é preciso certo distanciamento e boa dose de arte ao calcular os pesos e as medidas dos opostos em diversas situações da vida. Em sua obra, Machado de Assis mesclou uma visão romântica do mundo e das relações humanas a outra, crua, pessimista e calculista. Transitou de uma perspectiva à outra ao longo de sua produção literária, mas sempre deixando algumas pitadas da que não estava em evidência. Passou assim da concepção idealista à pessimista, mas é possível em suas obras encontrar marcas das duas, ainda que sutis. Esta obra, que faz parte de sua produção da maturidade, é um bom texto para introduzir o leitor nessa discussão.