Há fatos reais capazes de superar qualquer narrativa ficcional. É o caso do personagem do presente estudo, cuja trajetória de vida parece ter saída das páginas de uma novela do realismo mágico como as de Gabriel Garcia Marquez. No entanto, Antônio Dias Quaresma (1681-1756), baiano por filiação geográfica e dotado de espírito absolutamente irrequieto, não é fruto da imaginação de nenhum romancista. Ele foi real, existiu em concreto e via-se como um escolhido para uma grande missão. Autodidata, leitor e escritor compulsivo, meteu-se muito cedo no universo dos livros ascéticos e místicos, escritos que o levaram a um universo repleto de visões, arroubos espirituais e presságios. Após andarilhar pelo Brasil e ter vivido em São Paulo, Santos e Minas Gerais, local onde constituiu família e bens, se converteu radicalmente, momento que deixou tudo para trás indo parar no Velho Mundo em busca de seus presságios. Em peregrinação à sagrada Casa de Loreto, na Itália, em 1732, assomou-lhe ao espírito a inusitada ideia de que viria ser papa, por ser ele filho do Novo Mundo, geografia vista por alguns como destinada a regenerar a humanidade. Tinha 52 anos de idade quando ingressou na Ordem dos Servos de Maria, em Roma, e transformou- se em frei Uguccione Maria Antônio. Escrita a pedido dos seus próprios pares, em 1744 ele colocava o ponto final em sua Autobiografia, relatando sua trajetória de conversão, as suas visões, tentações e pecados. Manuscrito que se encontra salvaguardado no Arquivo Secreto do Vaticano e que agora vem a público. História até então completamente desconhecida na historiografia luso-brasileira, com riquíssimas informações sobre o universo mental, político e religioso, no qual Antônio esteve envolvido nos séculos XVII e XVIII. E a partir do qual criou sua própria concepção de mundo, metendo-se em um cosmos personificado. Um universo particular, ambivalente, de luz e de escuridão, como é possível acompanhar ao longo do livro.