A literatura é feita de memória. Claude Simon, prêmio Nobel da literatura de 1985, prova neste livro que recordar é um fluxo contínuo de vida e de criação. O leitor é arrastado para uma vertigem de lembranças, de frases e de sensações. Tudo se mistura e nada se confunde. A clareza do texto organiza histórias e fatos, fazendo do passado a matéria-prima de um presente carregado de velhas e de novas emoções. De alguma forma, pela magia da narrativa, o grande escritor francês parece indicar que a vida se faz mais intensa somente para ser bem contada, ou apenas para ser obra-prima. Tramway coloca o leitor nos trilhos de uma aventura singular, a da reconstrução do imaginário de um homem. Nessa vida de mão dupla sobre um único caminho, o romance se apresenta como um vaivém saboroso de pequenas catarses e de sentimentos recortados por mudanças de perspectiva. Simon consegue, num jorro, dar cheiro e consistência ao seu relato sem trégua. Caso a imagem não fosse antiga, seria o caso de afirmar que ele pôs em marcha uma máquina do tempo ou uma máquina de escrever, ou uma locomotiva de escrever o tempo, quem sabe de reescrever a trajetória intemporal das recordações, uma biografia sem verdades objetivas nem falsas intimidades. Apenas um texto feito da vida como ela foi. Existem livros que reclamam uma leitura cheia de gozo e sem paradas incômodas. Quanto mais avança, menos se aborrece o passageiro. Tramway é linha direta, non-stop, percurso direto ao ponto, degustação sem terminal, deslocamento rumo à estação memória. Este livro mostra por que Claude Simon mereceu um Nobel. (Tradução de Juremir Machado da Silva)Confira a fanpage da Editora Sulina