Múltiplos flashes reflexivos compõem a narrativa de Mari, uma adolescente de 13 anos, deixada com o pai — a quem pouco conhecia —, quando a mãe vai realizar parte de seus estudos acadêmicos na Itália. Durante os seis meses que fica na cidade de Brodowsky — onde o pai vivia — surpreendentes encontros levam a garota a travar uma aventura sensível, intelectiva e também estética com o mundo da arte e da própria vida. A descoberta de um caderno da avó paterna torna- se núcleo de uma das mais interessantes vivências
de leitura: lúdica, terna e propiciadora da trama de uma rede hipertextual. As histórias, cujas origens se perdem no tempo, estão lindamente compiladas pela avó em letra cursiva, revisitadas pela jovem neta — uma leitora imersiva, própria do século XXI — que traça caminhos de buscas via internet, enovelam-se em uma rede de conhecimentos, interligando diferentes épocas. Ao conjunto dessas narrativas agrega-se, ainda, uma nova história — enviada pela mãe via e-mail e artesanalmente copiada pela jovem. Encaixes de sentidos vão tecendo as narrativas ficcionais, a vida da menina e de seus pais, em contraponto com a de cada leitor que poderá, nesse novelo turgido, extrair a ponta de um fio que tece sua própria vida. A obra, construída pela integração bem conseguida de ilustração primorosa e projeto gráfico instigante, apresenta singular beleza visual. O texto de Susana Ventura como um mosaico constrói-se em metalinguagem, na confluência de diferentes formas textuais. Composição que acaba por figurar as vicissitudes dos humores do jovem adolescente e suas formas de compreensão e representação do mundo em que se insere. A narrativa tece-se pelo olhar da jovem garota, o tom pela multiplicidade de tipos textuais e a magia emana da tessitura do caderno de Clara.