A presente obra, autobiográfica e reflexiva, narrada por um entrevistador, é um testemunho da capacidade de adaptação da psique humana ao seu ambiente. Na primeira parte, o autor descreve o longo caminho que percorreu em diferentes países, após a Segunda Grande Guerra, as distintas situações familiares, as bruscas mudanças na situação socioeconômica, e as experiências místicas inesperadas que lhe ocorreram no período. Na segunda parte, ele, grande admirador e estudioso de Fernando Pessoa, observa que a resposta adaptativa que ocorreu nele foi a espontânea formação de heterônimos, ou seja, de personalidades independentes em sua psique. Em outras palavras, seu EGO se subdividiu em vários egos de forma análoga ao ocorrido com Pessoa.
Esses heterônimos, frutos de uma mesma educação e da mesma vivência infantil, tinham os mesmos valores básicos, mas divergiam em termos de ideias, objetivos, interesses, atitudes, e mesmo de cosmovisões. Embora cada um tivesse vida própria, todos sabiam tudo um do outro, e conseguiram uma convivência pacífica, embora muitas vezes crítica, a partir da busca da maior felicidade líquida do conjunto. Alguns heterônimos morreram ao longo do caminho, outros nasceram em função dos desafios e dos eventos que a vida proporcionou. O autor conta um pouco da vida de cada um deles e os põe a dialogar para ilustrar sua convivência.
Longe de ver nesse processo algo patológico ele questiona se no fundo isso não seria um processo natural, inconsciente, dos seres humanos em geral, pouco percebida e mesmo inibida, para aumentar sua capacidade de se adaptar ao mundo paradoxal que os cerca. Uma riqueza desconhecida.