Impossível é escrever sobre Elisa de Magalhães. Mas como só o impossível acontece, diz um de nossos guias crepusculares, eis-me aqui, diante de seu trabalho, parado, como o guardião do conto de Kafka, olhando com olhos cegos a escritura de Elisa. Escritura, aliás, como bem nos ensina nosso guia, o magrebino velho Derrida: escrita que é arte e pensamento, que é obra, que é cena, tela, cavalete, lente e o que mais vier da matéria que pensa. Então, aqui estou diante de Elisa. Diante dela através do espelho de suas pesquisas de anos, através de suas derivagens, as quais ela tanto tenta me ensinar, me convidando para o naufrágio conjunto, para a errância artística, para a vida projétil. Aqui estou tentando seguir os rastros desta que me espectra e que, sempre me forçando para além de minhas fronteiras, me chama para as passagens nas quais espectramos, juntos. Tal assombro na espectração, de si e do outro, de si pelo outro, de Elisa a nós, de Elisa a Elisa para nós, nesse jogo labiríntico sem fim, é o espelho que Logun Edé herda de sua mãe e que ela, portando-o em suas mãos, nos obriga a atravessar. Olhar-se no espelho, que significa aqui ler (o corpo na caixa), é deixar-se atravessar pelos encantamentos que Elisa, como herdeira de seu ancestral que é guerreiro e feiticeiro, conjura com seus dedos, seja na caneta, seja nas teclas. Abrir este livro, que acontece entre parênteses como um enquadramento fotográfico, é, portanto, estar aberto ao abismo que é posto em cena pela artista. É suportar o giro ao qual ela obriga, que inicia a dança e invoca os mares, sejam os de Pessoa, de Waltercio ou de Mãe Beata. É aprender, com e na cegueira, a ser gato ou a ver Cildo, girando por curvas condensadas e mutações geográficas, oscilando nos estilos e estiletes...