“Fiquei inclinado a ver certa tensão afetivo-sexual no que a maioria deliberou ter sido amizade [entre o poeta Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1831-1852) e o porto-alegrense Luiz Antônio da Silva Nunes (1830-1911)], termo utilizado pelos dois para comentar o que sentiam mutuamente. Tanto me dobrei, que flertei com o termo crush. A gíria permite, assim como a formulação do amor platônico, raciocinar sobre um sentimento amoroso que, amiúde, acontece somente para uma das partes. Historiadores, no entanto, têm o dever ético de alertar para os riscos. Para um lado ou para outro, basta puxar a corda. A imaginação, em geral, ganha terreno fértil, enquanto a razão é jogada em solo árido. Aos apressados, aqui os avisos pipocam como ímãs em geladeira de colecionador. Vida e obra se entrelaçam à revelia de rupturas idealizadas. Ora andam abraçadas, ora se repelem.” Jandiro KochJandiro Adriano Koch (Jan)Nasceu em Estrela, interior do Rio Grande do Sul. É graduado em História pela Univates (2018) e especialista em Gênero e Sexualidade (2019). Tem cinco livros lançados, quatro analisando vivências LGBTQI+ em região interiorana, no Vale do Taquari (RS), e Babá: esse depravado negro que amou (Libretos, vol. 7 da série Poche, 2019). Trabalhou como servidor público concursado na Prefeitura Municipal de Estrela; na Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul e no Instituto Nacional do Seguro Social, em Lajeado (RS). Contribuiu para jornais como A Hora, O Informativo do Vale, Jornal do Nuances. Atualmente é colaborador da revista digital (parêntese), de Porto Alegre.ApresentaçãoPesquisa séria, ótimo texto, verve certaPor Luís Augusto FischerUns cento e poucos anos atrás, quando o que hoje se chama de Teoria da Literatura ainda nem nome claro tinha, houve uma grande onda que empurrava a biografia dos artistas para os fundos do palco. O que interessava era a obra, que tinha objetividade, que era o que era independentemente do autor, de suas preferências, escolhas, valores. Em resumo meio grosseiro, dá pra dizer que o que se chama Teoria da Literatura se constituiu contra o valor da biografia. Daí foram aparecendo muitas formulações sobre o que era o romance, o conto, o poema, sobre como as gerações apareciam e sumiam, como as modas estéticas ganhavam e perdiam prestígio, como as formas literárias encontravam leitores e espectadores e depois não os encontravam mais.Eis que o nosso tempo retoma o sentido das biografias, que parecia solidamente enterrado. E o faz de modo talvez inesperado — a nova aparição do tema foi batizada de “lugar de fala”. Cheio de espinhos e possibilidades interpretativas, o “lugar de fala” repõe a ideia de que há uma vinculação entre quem fala e aquilo que fala. Ou seja: recoloca em circulação um nexo entre vida e obra que por cem anos esteve fora do cenário.Por um viés aparentado a esse tema, Jandiro Koch apresenta aqui seu segundo ensaio biográfico-histórico (o primeiro foi editado no belo livro Babá, esse negro depravado que amou), agora abordando a figura consagrada de Álvares de Azevedo, o poeta que morreu jovem, o ultrarromântico típico, um quase James Dean do século XIX brasileiro. (Dean, jovens, foi um ator norte-americano que, como diziam alguns muito antigos, morreu jovem para morrer belo. Live fast, die young, “Viva rápido, morra jovem”, eis a frase, que virou nome de filme noir de 1958 e é o nome da biografia de Dean.)Há vários méritos no trabalho do Jandiro Koch. Um deles é a precisão das informações. Lendo seu texto, fica claro que ele não estanca na primeira barreira dos dados, mas, ao contrário, vai fundo na inquirição, desdobrando aspectos, buscando correlações, traçando caminhos alternativos. Pessoalmente, gosto muito da especificação das datas dos eventos, assim como dos períodos de vida dos protagonistas: nada como pisar terreno sólido ao pensar nas vidas que se foram. Por outro lado, não faltam comentários que os velhos chamariam de “pícaros”, espirituosos, na fronteira entre o jocoso e o sério, temperando o texto. O balanço é muito bom. A esse valor se acrescenta outro, igualmente não pequeno: seu texto é muito fluente, sem deixar nunca a firme ancoragem nos dados. Vale a pena avaliar esse particular aspecto: a massa de elementos com que lida o autor por certo deixaria assustado um escritor menos habilitado, mas Koch mostra a grande virtude de saber equilibrar aspectos mais e menos importantes, informações de vida pessoal e de contexto, relatos sobre o protagonista do livro e sobre amigos, conhecidos e conexos.Vale ainda mencionar a erudição que está nas páginas, no relato, nas notas, na bibliografia. Nada daquela coisa aborrecida de erudito de araque, provinciano, leitor de poucos livros, que se contenta com o consagrado e faz questão de jogar para o aplauso fácil da torcida incauta. O que aqui temos é uma erudição tramada no serviço, na pesquisa, pela busca de dados e conexões, não de brilharecos fáceis. Resulta que é muito legal ler sobre as vidas dos brasileiros Álvar