"A ideia de que a inserção cultural do país no mundo contemporâneo deve ser buscada na singularidade da vida brasileira ganha força crescente a partir da década de 20. Na defesa da originalidade nacional, diferentes perspectivas aproximarão a estética da ética, a arte da política. No campo do teatro, a crítica modernista clamará pela urgência de formas, temas e de personagens mais inclusivos, refletindo a perspectiva da arte como direito de todos. Os textos de Antônio de Alcântara Machado, com o tempero democrático da bagunça, da mistura de gêneros e classes sociais, junto aos manifestos de Oswald e Mário de Andrade, lançarão as bases do novo teatro urbano voltado ao resgate da cultura popular circense, do melodrama, da vida e luta dos trabalhadores, imigrantes e das figuras populares.
Mas um acontecimento inusitado da Semana de Arte Moderna de 22, no Teatro Municipal de São Paulo, foi a ausência do teatro. Justamente esse fato é tematizado na peça “O dia perdido” de Larissa de Oliveira Neves. Em diálogo com a crítica da época, a autora traz à cena, às antevésperas da Semana de 22, o grupo de artistas envolvidos na organização do evento. Na peça, a admiração de Oliveira Neves pelos personagens/artistas vem junto do bom humor, da provocação, ironia e, muitas vezes, da paródia.
A dramaturgia, organizada em quatro atos e um epílogo, apresenta uma estrutura surpreendentemente complexa e aponta várias camadas de sentidos. Os mais diversos recursos da linguagem do drama – formas épicas, corais, de conversação, meta-cenas, micro-celebrações, citações visuais, musicais e textuais – constituem um painel rapsódico que articula um jogo cênico intrigante a respeito do legado modernista das primeiras décadas do século XX ao teatro moderno. O conjunto híbrido da composição provoca uma escala múltipla e anárquica de sensações na recepção do texto, levando do estranhamento à empatia e ao seu reverso. Estranhamento/empatia com os personagens, as situações, com os manifestos