Não se pode falar na história da medicina do Brasil (e de São Paulo)
no século XX sem falar do protagonismo da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FMUSP). Como aparelho formador – de ensino,
pesquisa, assistência – foi um norte delineador para todo os cursos
de medicina do país. E nessa trajetória, hoje secular, teve respeito e reconhecimento
aqui e no exterior. Mas assim como teve o papel de guia, tem
também um lado reativo – conservadora até a medula – em seus catedráticos
e quase totalidade de seus diretores.
E há um personagem que permite que se percorra essa história médica
da FMUSP e do Hospital das Clínicas (HC) no século XX. Ele próprio
se define como professor de medicina, no âmbito da educação médica, e
professor de nefrologia, no campo da clínica médica. Ele nasceu em 1933.
A USP foi fundada em 1933. Seu nome, Marcello Marcondes Machado,
herdeiro de uma linhagem médica de notória relevância na medicina brasileira.
Mas com luz própria. E portador de uma convicção democrática
inegociável.
E a Faculdade de Medicina, a maior e mais complexa unidade da
instituição, a partir daqui mencionada como FMUSP, o teria em seu seio
como estudante, residente, pesquisador, professor doutor, livre docente,
professor titular, diretor.1 Faz 20 anos que ele se aposentou. Tempo
ideal para analisar e mensurar em seu valor, sua obra acadêmica e clínica,
seu papel transformador e rupturista. Sua obra está e ficará de pé.
Democratizou, modernizou, preparou a FMUSP e por extensão, o HC para o século XXI, brindado este por ele com uma autonomia única aos seus
responsáveis em toda a sua história.
Ele é um grande entre os grandes. Completou em 2023 bem vividos
90 anos. Viveu o século XX inteiro, e já está com mais de duas décadas
de crédito no novo século, o XXI. Ciente do papel que desempenhou na
escola onde deu os primeiros passos como aluno e onde se aposentou
como professor.
Diretor da FMUSP eleito em 1994, para um mandato de quatro
anos, ocuparia uma das cadeiras mais importantes da República. Uma escola
que quando mexe um dedo faz a medicina brasileira inteira se sentir
tocada. Sim, ela sabe do que é capaz e do dano que o país tem quando se
omite. Também erra, mas felizmente não gosta de repetir o erro.
É considerado o melhor dirigente da FMUSP do pós guerra. Foi o
diretor certo, no momento certo, para a escola certa. Sabia que o país necessitava
dela e que não havia justificativa para que ela não o cumprisse.
Desde seus primeiros passos dentro dela, apresentou suas credenciais,
para o que veio e o que pretendia. Carreira em linha reta, ascendente,
com padrões éticos inegociáveis. E sempre distinguida em relação ao
leito comum. Sua tese de doutoramento foi feita quando ainda era residente
(R2), algo que nunca tinha acontecido na história da faculdade.
Possuidor de uma visão humanista da medicina e da saúde pública
como vital e inegociável para um país que se pretende civilizado. Com a
consciência do papel da educação médica na construção de um país democrático,
justo, fraterno. Tudo isso começava nas escolas médicas, com
a formação de médicos e gestores do sistema de saúde, repetia com a
convicção de médico do sistema de saúde pública.