Li O dono do mar e gostei. Muito. Não imaginava José Sarney um romancista poderoso. E é. Entra no livro nadando de braçadas, dono das águas, dos ares e dos mares do Maranhão. Dá voz e alma aos pescadores das ilhas e das praias de São Luís com sabedoria e volúpia exemplares. Sarney é o intérprete de uma das matrizes básicas da cultura brasileira, a dos pescadores. Equivalente ao que Zé Lins é para o povo dos engenhos e Jorge Amado, para o gentio dos cacauais. O romance me deu uma leitura gozosa, dessas em que a gente se esquece até que está lendo, para se abrir inteiro e deixar-se penetrar por ela. Para leitoras, o gozo há de ser maior. Impressionou-me também, vivamente, a sabedoria que José Sarney consolidou convivendo com os pescadores de sua terra. Lá está o falar deles, marcado de arcaísmo porque, por suas bocas, falam velhos pescadores lusitanos, mas também a oralidade que vem dos negros e índios que com eles se misturaram nesses cinco séculos. Sou, agora, amigo íntimo de Cristório e seus dois amores - la Mer e Quertide, de suas duas mulheres e da filharada. Gosto muito também das encarnações de seus mortos-vivos. Querente, Aquimundo, Quertide dos piocos e até da puta de Iguaíba e do come-cu Zé do Casco. O melhor mesmo do romance, a meu juízo, são os mergulhos barrocos que dá José Sarney, com esses personagens todos, no Real Maravilhoso. Ninguém, na literatura brasileira, tão cheia de belas fantasmagorias, alcançou tais alturas no Reino do Realismo Mágico. Parabéns. Estou perplexo. Darcy Ribeiro