“Se ela fosse escrever sobre a vida, anotaria apenas pequenezas, pois o fato maior, acredita ela, é a felicidade, quando as coisas são mínimas, quando ele amarra os sapatos, quando dorme, quando acaricia o cabelo dela.” Em julho de 1923, o adoentado Franz Kafka viaja com a irmã Elli e os filhos dela a Müritz, uma estação balneária junto ao mar Báltico. A ideia é respirar os bons ares do litoral e se afastar de Praga, onde os últimos tempos vividos na casa dos pais foram difíceis. Já aposentado devido à tuberculose, Kafka encontra Dora Diamant (1898-1952), uma jovem do Leste Europeu que fugira da família devido à rigidez de sua educação judaica e que trabalhava acompanhando crianças de uma instituição berlinense à colônia de férias. Kafka tem 40 anos; ela, 25. Ele, eterno solteiro, faz o que nunca fizera até então: afasta-se da família e começa uma nova vida ao lado de uma mulher, lutando contra a doença, em busca de uma réstia de felicidade. Vão para Berlim, onde grassam o antissemitismo e a hiperinflação; trabalham, sonham, se amam, fazem planos e, por vezes, conseguem esquecer do óbvio: Franz está morrendo. Muito mais do que uma minuciosa e pesquisada reconstituição dos últimos onze meses daquele que se tornaria um dos mais influentes escritores de todos os tempos, este é por si só um belíssimo romance. Ao lançar mão do fluxo de consciência, alternando as perspectivas dos dois amantes e lhes conferindo profundidade psicológica, Kumpfmüller consegue uma proeza de delicadeza e sensibilidade: mostra as pequenas alegrias e tormentos do casal, e faz esses onze meses parecerem, ora uma eternidade, ora um breve e fugidio momento.