As massas em minha barriga, apesar de terem surgido de forma repentina e contra a minha vontade, como a água que percorre o único curso que lhe é oferecido, assim me encaminharam à questão que se encontra por trás de tudo o que tenho pensado desde a sua descoberta, e que a cada dia torna-se mais urgente para mim: qual garantia permanece de pé diante de uma doença que pode me tirar a vida?
Cerca de um mês antes do tão esperado concurso, o jovem Davi sente, aos vinte e seis anos, a primeira dor que mudaria sua vida: uma pontada entre duas costelas, na altura do rim. Apesar da consulta ao médico, a dor persiste e os remédios se demonstram todos paliativos. Começa, então, uma longa investigação pelo labirinto do corpo: exames, consultas médicas e cirurgias que revelam apenas sombras no abismo da carne. Uma busca sem fim pelo diagnóstico, durante a qual, por conta do sofrimento, é forçado a rever a própria existência.
Em seu livro de estreia, Daniel Laier opõe-se à estética literária atual: página a página, avança sobre a anatomia da carne e da consciência do seu protagonista, submetendo leitor e personagem à onipresença do corpo, contra a qual Davi se rebela. Do centro de tais sombras de dor e angústia, de embates e incertezas, emerge, porém, pouco a pouco, uma autoconsciência. A cada página, somos levados a nos perguntar: o que resta de nós diante da ameaça de morte?