Por pouco vivemos sobre a terra. Por pouco tempo, um tempo breve, um tempo mínimo, um piscar. E aqui passamos dentro de um sonho, aqui estamos a sonhar. Um tempo breve, um tempo mínimo, um piscar. Pouco conhecemos da arte e da cultura dos povos nativos das Américas, como incas, maias, astecas, indígenas norte-americanos, inúteis e tribos brasileiras. E, no entanto, muito antes da chegada do homem branco, eles já habitavam estas terras e expressavam as angústias e alegrias de sua existência na forma de cantos. Sérgio Capparelli, um dos mais destacados autores infanto-juvenis da atualidade, se debruçou sobre essa rica fonte, selecionou, traduziu e retrabalhou 42 cantos de povos nativos. Eduardo Uchôa deu cor e forma a essa valiosa amostra da riqueza poética de tais civilizações, que fazem parte não apenas da nossa história, mas também do nosso legado cultural. Os povos que habitavam o Novo Mundo antes da chegada dos europeus e sua civilização são por vezes chamados de “primitivos”. Mas hoje é sabido que o termo carrega um tanto de preconceito e mesmo de imprecisão, já que vários desses povos dominavam tecnologias complexas para a época (como o calendário e os sistemas de irrigação) e que nada tinham de primitivo. No âmbito das artes, tal nomenclatura se torna ainda mais inadequada: é só lermos os poemas indígenas pesquisados, compilados e por vezes retrabalhados por Sérgio Capparelli para nos darmos conta disso – sejam de tribos brasileiras, ou povos nativos da América Central, os engenhosos incas, maias e astecas, povos norte-americanos, ou mesmo os inúteis que viveram e vivem desde sempre em regiões geladas. Todos eles demonstram, nos seus cantos, profundas elaborações sobre a vida e o mundo que em nada ficam a dever a poesias autorais de povos ditos “civilizados”. Dor de amor? “Quando a lua surgiu,/ meu coração te entreguei./ Agora que a lua míngua,/ me tratas com desdém./ Podes me jogar no fogo,/ que, ardendo, te amarei./ E, quando virar cinza,/ querendo-te seguirei.” Transitoriedade da vida? “Come, come, enquanto tiver pão./ Bebe, bebe, enquanto tiver água./ Um dia chega e o pó escurecerá o ar,/ e uma praga murchará a terra,/ uma nuvem vai se levantar,/ uma montanha, se erguer,/ e um homem forte/ se apoderará da cidade.” Angústia existencial? “Eu me pergunto/ o que minha vida futura/ vai fazer por mim.” Boa parte da riqueza e da complexidade de tais povos é aqui resgatada, em lindos textos que trazem a marca da cultura oral e da criação coletiva, folclórica, mas que, tratando de temas universais, cativarão a todos.