Os contos de João Anzanello Carrascoza já foram apreciados por alguns dos melhores narradores da sua geração: Luiz Ruffato, Cristóvão Tezza e Nelson de Oliveira souberam captar aspectos relevantes da sua obra. Duas palavras recorrem nos seus comentários, e ambas fazem justiça ao modo de compor e ao sentido profundo dos textos de Carrascoza: epifania e encontro, às quais convém acrescer uma terceira, silêncio. O lado de dentro do cotidiano é feito de imagens que vêm de fora. Em si mesmas estas podem parecer apenas prosaicas, mas a novidade destas epifanias nos faz sentir e ressentir as figuras do mundo como se fossem vistas pela primeira vez. A percepção da infância, em “Caçador de vidro”, ilustra esse processo a que os formalistas russos deram o nome de estranhamento. Não há epifania sem a luz de um olhar original. Não sem razão o filósofo Benedetto Croce considerava a poesia “o momento auroral da linguagem”. Felizmente, algumas das auroras de Carrascoza ainda voltam depois das noites, por mais desoladoras que estas nos pareçam. Cala também fundo a representação miúda da hora do encontro, tanto mais sofrida quanto mais viscerais são as relações entre os interlocutores. Com que arte sutil e compassiva o narrador sabe dizer os silêncios que unem pai e filho em “O menino e o pião”, os irmãos em “Duas tardes” e em “Janelas”, avó e neto em “Dias raros”, mãe e filho na obra-prima que é “O vaso azul”! Ao lado desses encontros autênticos, há, para confirmação dos espíritos céticos, a marcação cerrada de diálogos falsos e a denúncia dos vazios cruéis de comunicação em uma sociedade anômica onde a indiferença e o tédio viraram regra geral: falam por si “Visitas” e “Casais”. Mas a dor que punge, densa e viril, em “Dora” e “Chamada”, ou ternamente feminina se espraia em “Umbilical”, tão cedo não se apagará da memória e do coração deste e de outros leitores de João Anzanello Carrascoza.