A estreia de Ana Mariano como poeta revela uma escritora que, sobretudo, enaltece a paixão como afirmação da liberdade. A autora brinca com a versificação tradicional, insere sonoridades, cria dissonâncias e usa desses artifícios para homenagear seus escritores mais queridos, entre eles Carlos Drummond, Mario Quintana, Vinicius de Moraes, Adélia Prado e Jorge Luis Borges, absorvendo versos, temas e trejeitos. A partir de imagens concretas, ora resgatadas da infância, ora da trivialidade do dia-a-dia, Ana Mariano constrói um universo entre a herança tradicional e o desejo transformador de ir além e ver adiante. Os poemas funcionam como um acerto de contas, tentativa de recriar poeticamente suas próprias lembranças. A temática, abrangente e rica, é renovada pelo olhar diverso, capaz, por exemplo, de criar uma canção para sua rua, resgatar um domingo de sua meninice, fazer uma viagem à velha Madri do tablao flamenco ou mesmo observar as peculiaridades do amor. O prefácio é assinado pelo professor Donaldo Schüler, que evoca Safo – a primeira mulher escritora lembrada pela literatura ocidental, e, segundo Platão, uma sábia do amor – para dimensionar os versos de Ana Mariano. Schüler comenta ainda: “Nos olhos de cadela, há o apelo de copos e o brilho que se eleva acima do imediato, já anunciado nas retinas da menina. A força avança luminosa, do quarto para a amplidão, esferas sonhadoras, inventivas, mais fortes que a corrosão da morte. Os olhos movem-se suspensos por um fio. E que fio! Um que desce das estrelas e dança nas correntes. Os olhos suspensos fazem da vida invenção, circo. A criança confundida com o adulto devora tempo e espaço para girar e gerar um mundo livre dos princípios que algemam coisas e pessoas. A lembrança recua ao crochê da tia Florinda, que reinventa a mortalha de Penélope, trabalhada para ser, durar, vencer.”