Quando escreveu uma série de artigos no início da década de 1980, David Sackett talvez não tivesse ideia de que estaria mudando a história da Medicina. Em sua essência, eram conceitos bastante simples. Para a tomada de decisões sobre o cuidado de pacientes individuais, não basta advogar determinado tratamento fundamentado na palavra de um especialista ou na descrição de uma série de casos; é necessário obedecer às melhores evidências disponíveis. E as melhores evidências são aquelas propiciadas por pesquisas clínicas de alta qualidade.
Entraram, então, para o léxico diário do médico, conceitos como randomização e duplo cegamento. Ao procurar tratamento para seu paciente, o médico passou a buscar o conhecimento em artigos que apresentassem um grupo controle adequado e
onde as análises estatísticas tivessem sido executadas com instrumentos pertinentes.
A partir daí, surgiu, um mecanismo de retroalimentação, com a demanda incentivando publicações com metodologia cuidadosa e uma preocupação, cada vez maior, dos pesquisadores em manterem padrões de qualidade cada vez mais elevados. Os autores deste livro, todos com larga experiência em Medicina de Emergência, propõem-se a uma tarefa muito interessante: reavaliar os ensaios clínicos mais relevantes publicados nos últimos anos, aqueles que realmente mudaram a maneira de se abordar um paciente grave em um Departamento de Emergência. Esta é uma tarefa importante por vários motivos.
O primeiro é demonstrar que boa parte das condutas hoje utilizadas rotineiramente pelos médicos, mundo afora, devem ser baseadas em ensaios clínicos de qualidade. O segundo, é que, ao desvendar essa origem, os autores nos permitem questionar sua validade e atualidade, abrindo caminho para propor novas pesquisas e, consequentemente, novos conhecimentos. Por último, este livro é uma demonstração de como o conhecimento médico evolui, com suas falhas e acertos, mas sempre se baseando em metodologias adequadas e nunca se afastando dos princípios éticos.
A Medicina de Emergência é uma especialidade médica recente, dedicada ao diagnóstico e tratamento de doenças ou lesões imprevistas. A prática da Medicina de Emergência inclui avaliação inicial, diagnóstico, tratamento, coordenação de cuidados entre vários provedores e encaminhamento de qualquer paciente que necessite de assistência médica, cirúrgica ou psiquiátrica imediata.Realizar pesquisas, principalmente ensaios clínicos bem desenhados, em um ambiente no qual a abordagem do paciente grave na sala de emergência deve ser feita de maneira sistemática e rápida, é uma tarefa bastante complexa. No entanto, cabe aos emergencistas determinar qual é a melhor evidência disponível para o atendimento ao paciente grave e, também, identificar onde estão as falhas nessas evidências para que o conhecimento mais completo possa ser obtido.
Um dos maiores méritos deste livro é exatamente apontar para os interessados em Medicina de Emergência, onde encontrar as melhores evidências e estimular a sua utilização na prática clínica. Quarenta anos depois, as palavras de David Sackett são mais relevantes e atuais do que nunca!
Prof. Dr. Heraldo Possolo
Docente da Disciplina de Emergências Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo