Entre 1924 e 1930, vemos, com força total, a Virginia Woolf que se imortalizou como uma das maiores figuras do modernismo e do século XX. Entre esses anos, Virginia publica e escreve a maioria das obras que a consagraram: em 1925, Mrs. Dalloway e O leitor comum, em 1927, Ao farol, em 1928, Orlando, em 1929, Um teto todo seu – e, em 1930, está no meio do processo de As Ondas, que lançaria em outubro do ano seguinte.
Provavelmente não é coincidência que essa intensa produção tenha coincidido com a volta de Woolf para Londres após uma década vivendo em Richmond, cidadezinha próxima. O ano de 1924 marcou a mudança da Hogarth House (que deu o nome à editora dos Woolf) para Tavistock Square, em Bloomsbury. Com o privilégio do distanciamento histórico, nós nos surpreendemos ao abrir esse volume e ver, no dia 3 de janeiro daquele ano: “É quase certo que este ano será o mais repleto de acontecimentos de toda a nossa (já registrada) carreira”. Em 9 de janeiro, tendo conseguido a casa, ela diz: “(...) a casa já é nossa: & mais o porão, a sala de bilhar, com o jardim de pedras no alto, & a visão da praça em frente & dos edifícios abandonados nos fundos, & da Southampton Row, & de Londres inteira – Londres, tu és a joia das joias, & o jaspe & o júbilo – música, conversas, amizades, vistas da City, livros, edições, algo de central & inexplicável, tudo isso está agora ao meu alcance, como não acontecia desde agosto de 1913 (...).” Em 5 de abril, quando se muda, diz: “Ah, a conveniência deste lugar! & o encanto também. Voltamos dos teatros a pé, pelo meio das entranhas de Londres. Por que adoro tanto esta cidade?... se ela é impiedosa & seu coração, frio como pedra.”
É nesse período, ainda, que floresce seu caso romântico com a escritora Vita Sackville-West. “Gosto dela & de estar com ela, & do esplendor – ela resplandece nas quitandas de Sevenoaks como uma vela acesa, dando longas passadas em pernas como faias, cor-de-rosa cintilante, cheia de cachos de uvas, toda enfeitada de pérolas”, “ela navega de velas enfunadas nas altas marés, enquanto eu sigo costeando pelos remansos”, diz ela no início do romance das duas. Em 20 de maio de 1926, ela se pergunta: “Estarei apaixonada por ela? Mas o que é o amor? O fato de ela “estar apaixonada” (isso tem de vir entre aspas) por mim me excita & lisonjeia; & interessa. O que é esse “amor”?”
Muito importantemente, são nesses anos que ela sente ter encontrado seu caminho literário. No meio da escrita de Mrs. Dalloway, ela anota: “Uma coisa a considerar em meu estado de espi´rito agora, que me parece indisputa´vel, e´ que finalmente perfurei o meu pro´prio poc¸o, & na~o consigo rabiscar com rapidez o bastante para trazer tudo ate´ a superfi´cie. (...) sinto, finalmente, que sou capaz de cunhar todos os meus pensamentos em palavras. (...) Agora, imagine que eu possa me tornar um dos romancistas interessantes – na~o digo grandes – mas interessantes? Estranhamente, apesar de toda a minha vaidade, ate´ agora eu na~o punha muita fe´ nos meus romances, nem os considerava fruto de expressa~o pro´pria.” Quatro anos depois, em 1929, em meio a As Ondas, ela já está angustiada, em eterna mutação: “Talvez seja melhor estar continuamente tentando encontrar novas coisas a se dizer, já que a vida segue adiante. Inventar um estilo narrativo apurado. Acho que as Mariposas (se é que o irei chamar assim) ter. arestas muito afiadas. Não estou satisfeita entretanto com a estrutura. Existe essa fertilidade repentina que pode ser mera fluência. Antes os livros eram várias frases absolutamente arrancadas a machadadas de um cristal: & agora minha imaginação é tão impaciente, tão veloz, de certa maneira tão desesperada.”
Nesses seis anos, vemos Virginia se metamorfoseando em muitas Virginias, mas, especialmente, alcançando um estilo próprio – uma voz só sua. “A verdade é que escrever é o prazer profundo, e ser publicada, meramente superficial”.