Gabriel Garcia Márquez revelou certa vez que sua primeira grande experiência transformadora na literatura foi quando leu as primeiras palavras do romance A Metamorfose de Franz Kafka. Afinal, se o protagonista podia despertar numa manhã, após sonhos inquietantes, convertido num gigantesco inseto, ao autor, tudo seria possível.
O Rio de Janeiro, esquizofrênico e violento, desafia e vence o mais inventivo dos escritores. O surrealismo da Cidade Maravilhosa, bolorento apelido de tempos remotos, materializa-se cotidianamente, quando faixas amarelas pintadas no chão são chamadas de ciclovias, um médico é esfaqueado fatalmente por causa de uma bicicleta, inocentes são atingidos aleatoriamente por balas perdidas, pacientes aguardam uma década para realizarem uma cirurgia na rede pública, a polícia justifica assassinatos rotineiros como autos de resistência e o poder público só trabalha quando é incomodado pela imprensa. Não é doentio supor que alguém se habituaria a viver numa cidade assim?
O absurdo não reside, portanto, no desejo patológico e incessante de um dermatologista em partir a clavícula de um paciente com uma marretada. O estranho é a realidade em que vivemos. Divirta-se com O Paciente Número 6, comédia hipocondríaca, neurótica e deliciosa de M. Hinke, autor de O Conto do Mendigo da Chiado Editora.