O talento de Myriam Campello vem com um humor feroz, mas os temas líricos não a abandonaram. Nos primeiros contos, ao me deparar com o flare da plataforma marítima do engenheiro apaixonado pela albertinesca Helena, penso que essa labareda nunca se extinguirá nem haverá mar 'que seja de rosas' pois o mar, como Myriam sustenta, não tem amigos. Nem o amor é amigável. A Fossa das Marianas, a mais profunda do mundo, jamais terá o seu solo alcançado, mas a vertigem sem aterrissagem é o que importa, e o amor é isso, abismo que engole tranquilamente todas as plataformas marítimas com seu flare sedutor. O intenso manual de 'Como Matar' o sentimento que sabemos devastador tampouco consegue extingui-lo. Palavras são para comer é um livro tão diverso, tão inteligentemente ofensivo, sarcástico e desesperado que tenho dificuldade para qualificá-lo literariamente. Myriam, devoradora de palavras no que o ato tem de mais íntimo, demole clichês linguísticos e percorre as muitas possibilidades expressivas do idioma em jogos polissêmicos. A literatura aqui é o lugar onde a realidade não só aspira à transformação, como diz a que veio.