Stéphane Mallarmé, antes de morrer, pediu que sua filha Geneviève queimasse todas as suas notas e um conjunto de pequenas folhas manuscritas. Escritas entre 1879 e 1880, depois da morte de seu filho de oito anos, essas páginas chegaram até nós com o título Para um túmulo de Anatole, permanecendo, porém, inéditas até 1961. O autor nunca quis publicá-las nem se referiu a elas em sua correspondência. Diferentes de outros “túmulos”, gênero a que Mallarmé se dedicou para prestar homenagem a Baudelaire, Verlaine e Poe, elas são anotações fragmentárias, em que convergem fato brutal e trajetória estética, dissolução da concretude da morte em forma inacabada que é tempo, eterno e fugaz. Em uma carta a seu amigo Henri Cazalis, Mallarmé descreve a longa e inenarrável agonia do luto e conclui: “felizmente, estou perfeitamente morto”. A morte, figurada ou não, age como uma nota musical repetida a cada página deste Túmulo, que anuncia e acolhe a presença e a ausência do filho, da doença, da paternidade incompleta, em uma escrita lacunar e fraturada. “Quando um poema está maduro, ele se separa”, escreve Mallarmé a Cazalis – talvez isso explique o destino do manuscrito, engavetado por tanto tempo. A tradução desses fragmentos que agora o público leitor tem à mão parece seguir o preceito mallarmeano de ceder iniciativa às palavras e, para isso, opera um duplo movimento de fazer transparecer ora o original francês, quando a tradução é mais literal, ora a recriação, em formulações que tiram máximo proveito dos recursos expressivos de nossa língua. Chega-nos uma escrita do luto, amadurecida pelos tempos que correm.