“Partes homólogas, terceiro volume de contos de Leila Guenther, confirma e refina a arte dos anteriores. A autora retoma os seus temas e renova seus procedimentos em breves textos delicados, de meditação sobre o drama cotidiano. Assim, “Díptico” é um retrato da fragilidade masculina; parece a ficcionalização de um episódio traumático do jovem Borges na Suíça. Em “Das perdas” a trama, tecida com as elipses dos grandes narradores, vai além da notação sutil das emoções. Sem o contraste das figuras femininas, a psicologia masculina parece menos nítida. “Partes homólogas” traz o artifício eficaz, explorado, entre outros, por Voltaire, Poe e Machado, de colocar em um quadro oriental questões universais e nossas. “Hora marcada” é um microconto forte, com o tom pensativo e desesperançado dominante no livro, sugerindo a salvação pela solidariedade animal. “Romã” é um tour de force. A psicologia masculina é o foco, mas a ênfase, dessa vez, não é tanto na fragilidade, mas no patetismo e nas astúcias do protagonista. Do ponto de vista narrativo, o conto é rico em truques, como o final surpreendente, típico dos contos policiais, e abrupto, como nos contos de Tchekhov. “A outra causa”, uma homenagem ao autor de “A causa secreta”, aprofunda a análise machadiana da perversão, dando voz à vítima ativa, em um doloroso encontro de causas. O conto, um mergulho nas pulsões mais turbulentas, é também um exercício de estilo, levemente paródico, com palavras e expressões do Rio oitocentista. “Móvel e provisório” aborda, com ecos de Beckett e dos existencialistasâ, o tema do animal como salvação enquanto “Lobos” pode ser lido como uma alegoria sartriana do “l’enfer c’est les autres” e reafirma o cachorro como redentor no livro.”