Pierre Missac não apenas conheceu — por intermédio de Georges Bataille — Walter Benjamin na Paris dos fatídicos anos finais da década de trinta, mas também, assim como outros dois eminentes amigos de Benjamin, Gershom Scholem e Theodor Adorno, dedicou-se no pós-guerra à tarefa urgente de publicar as obras daquele genial filósofo, crítico e ensaísta. Além de auxiliar da publicação das suas Obras completas ele também redigiu ensaios sobre o seu amigo e um único livro — publicação póstuma que faz parte do seleto círculo das melhores obras que já foram dedicadas ao pensamento de Benjamin.
Esta obra tem como uma das suas grandes qualidades o equilíbrio delicado entre o rigor filológico e a tendência para o ensaio guiado pela livre-associação.
Reconhece-se tradicionalmente em Missac a capacidade de levar os seus leitores ao cerne das principais questões que a obra de Benjamin encerra. Como não poderia deixar de ser, a filosofia da história, a saber, a tentativa benjaminiana de descrever uma nova forma da temporalidade que seria mais adequada ao mundo da Modernidade, constitui o leitmotiv do presente ensaio. Ele é desdobrado com maestria em outros subtemas. Missac faz com que o leitor descubra essa filosofia da história em todo o corpus benjaminiano; assim, a própria escrita de Benjamin expressaria a tentativa de fundar uma nova temporalidade vinculada ao ato de expressão, na qual o presente, ou seja, o efêmero agora, tem um peso que poucos autores tinham lhe atribuído até então. Essa escrita que incorpora o agora como seu princípio estruturador é uma escrita que se apresenta na forma do aforismo, de fragmentos, de ruínas. Mais ainda: Benjamin, como Missac demonstra, através do gestus da sua escrita do desastre, deixa para trás toda uma tradição da filosofia e da historiografia fundada no registro da mímesis e da representação. Em vez da crença na divisão estanque entre o passado (que deveria ser documentado) e um presente puro, marcado pela atividade de um indivíduo totalmente presente a si mesmo, Benjamin explode tanto a noção de linearidade temporal como também o modo de escrita tradicional que estava ligado umbilicalmente a esse modelo.
Missac foi o primeiro a notar com profundidade a enorme dívida dessa escrita de Benjamin para com o cinema. Ele afirma de modo ao mesmo tempo ousado e correto: o cinema é a realização performática da dialética. Essa arte é a arte por excelência da fragmentação, do corte, da interrupção, da reviravolta — em uma palavra: da catástrofe. Pierre Missac tem credenciais mais do que suficientes para não se “limitar” a ser um dos maiores e mais seguros comentadores de Benjamin. Não contente com esse fato, ele parte, sobretudo nos dois últimos capítulos, para um desdobramento e para uma “adaptação aos tempos pós-modernos” de algumas ideias seminais de Benjamin, sobretudo com relação à arquitetura. O leitor descobre, entre muitos outros insights memoráveis, por que o átrio deve ser visto como o herdeiro das passagens do século XIX. O autor descreve ainda o flaneur pós-moderno entre os lobbies dos aeroportos e os átrios dos hotéis e museus do mundo — espaços estes que ambiguamente exploram a dialética entre o interior e o exterior —, discutindo com autoridade as concepções de teóricos da arquitetura mais recentes, que ele confronta com a teoria benjaminiana da “boa barbárie”.
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