A “filosofia” de Foucault é uma filosofia do deslocamento, é antidoutrinal. Não é daquelas filosofias que podem ser apresentadas sob a forma do desenvolvimento de uma intuição primeira ou como a construção cada vez mais elaborada de um sistema. Não se trata de uma “obra” que possua uma unidade essencial que seus comentadores teriam por tarefa desvelar. As reflexões de Foucault não pretendem ser nem sistemáticas, nem “coerentes”. É impossível domesticar o conjunto da retomada dos usos foucaultianos. Para nos convencer da atualidade de Foucault, basta evocar o papel que ele desempenhou na análise da figura do especialista; no questionamento da noção de segurança em torno do cotidiano das práticas policiais e da insistência dos políticos em fazerem da manutenção da ordem um item central do debate público; também na crítica à prisão, que permitiu inaugurar um novo tipo de saber sobre seu cotidiano e seu funcionamento; no desenvolvimento de uma história da homossexualidade como comunidade constitutivamente precária e obrigada a se reinventar permanentemente; enfim, na atualização da infrapolítica oculta, que constitui o essencial da vida política dos dominados que, mesmo assim, desenvolvem estratégias de torção do poder a partir do interior, reconquistando assim uma parte de sua própria subjetividade individual e coletiva.