Atracados aos pés da cama: uma mulher em sua morte. Enquanto no campo das experimentações linguísticas, os poemas buscam materializar tecnicamente os aspectos sensíveis desse corpo cuja voz entalada na garganta produz urros, gemidos, balbucios e espasmos, por meio de cortes, aceleração e desaceleração rítmica; no campo temático, trazem à tona, numa dicção elevada e coerente com a hierarquia desse limiar, a necessidade de comunicação e a luta pela vida que, em alguma medida, é também o desejo pela morte do corpo que a aprisiona. Dos poemas, depreendem-se memórias da relação com um interlocutor que não a ouve e que envolvem amor, traição, perdão e desejo de infinito. O livro é escrito sob a pena da imparcialidade de uma poeta que julga emprestar sua voz à outra, calada pela doença, na esperança amorosa de afastá-la da morte. A autora, adoecida de literatura, é parente desta que desliza para a desaparição do corpo em favor da aparição de uma voz poética eternizada na escritura. No texto ensaístico que fecha essa urna poética, Geruza Zelnys fala das motivações poéticas que envolvem a dor e a despedida, do conflito entre questões éticas e estéticas presentes no processo de escritura e dos ritos do respeito e do “comer bem” aquela a quem se ama.
[Edna Zelnys dos Santos]