Emily Dickinson (1830-1886) é talvez a mais importante voz feminina da poesia de língua inglesa. Menos reclusa que compenetrada, e dotada de extraordinária erudição científica e literária para uma mulher do seu tempo, ela escreveu, ao longo de trinta e poucos anos de atividade literária, cerca de 1.800 poemas e travou correspondência intensa com diversos amigos, escritores e intelectuais. Contudo, sua obra apenas começou a ser publicada depois da sua morte. A partir de 1890, o sucesso de sua poesia passa a ser proporcional às dificuldades da transcrição e organização de seus manuscritos. Por isso mesmo ainda hoje circulam nos Estados Unidos três edições bem diferentes de suas obras: a de Johnson (1956), a de Franklin (1995) e a de Miller (2016). A tradução que apresentamos aqui segue a edição de Miller, que preserva a forma como a própria Dickinson deixou organizados os seus manuscritos. Apesar de ser conhecida do leitor brasileiro desde que foi traduzida por Manuel Bandeira (já no final dos anos 1920), a obra de Dickinson aqui sempre foi publicada na forma de antologias, as quais, em que pese a qualidade da tradução, muitas vezes impedem a leitura contextualizada de seus poemas. Nossa tradução se move, ao contrário, em dois eixos: costura e sutura. A costura corresponde ao respeito à integridade da obra, ao trabalho crítico-textual de trazer um texto íntegro e completo. A sutura, por outro lado, aponta para o que não se quer fechar na poesia de Dickinson, em termos de sentido, ou para o seu mais-valor literário, que é sempre uma meta e, por ser meta, melhor se traduz ao modo da metáfora. Sendo assim, qualquer ideia de fidelidade absoluta (ao ritmo, à imagem e ao pensamento) permanece apenas como ideal paradisíaco, do qual só os leitores, no confronto entre o original e a tradução, poderão realmente usufruir.