"Entre as diversas crises - sanitária, humanitária, social e econômica - emergidas no contexto da Covid-19, a saúde dos povos indígenas no Brasil tem sido uma das mais preocupantes e debatidas. A questão é enfatizada pelos organizadores do mais novo livro da coleção Saúde dos Povos Indígenas da Editora Fiocruz: ""a pandemia tornou ainda mais evidentes as deficiências que permanecem na atenção à saúde indígena e a sua frágil articulação com os demais níveis de complexidade da rede SUS"", destacam Ana Lúcia Pontes, Felipe Rangel de Souza Machado e Ricardo Ventura Santos, pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). O trecho encontra-se na apresentação de Políticas Antes da Política de Saúde Indígena, título que estará disponível para aquisição a partir de 24 de novembro, nos formatos impresso – via Livraria Virtual da Editora – e digital, por meio da plataforma SciELO Livros.
Mas e nos anos que antecederam a pandemia? E antes mesmo da criação do nosso Sistema Único de Saúde? Quais foram os muitos caminhos, lutas e articulações que possibilitaram a construção de políticas públicas especificamente voltadas para a saúde indígena? É esse percurso que a coletânea busca - a partir de uma perspectiva histórica e antropológica - detalhar em 13 capítulos. O livro investiga o processo de formulação do atual Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS). Instituído em 1999, pela lei nº 9.836 - também conhecida como Lei Arouca -, o subsistema foi criado no âmbito do SUS e idealizado para atender a população de territórios indígenas, através de uma estrutura composta de sistemas locais de saúde, denominados Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs).
Ricardo Ventura enfatiza que a obra aborda as múltiplas redes de participação que envolveram a constituição da política nacional de atenção à saúde indígena no país, o que fica claro no próprio nome do livro. ""Ao intitular a coletânea de Políticas Antes Política de Saúde Indígena, estamos interessados em analisar a complexa rede de atores e processos sociopolíticos que, não raro, são apenas mencionados nas entrelinhas das narrativas mais usuais, inclusive aquelas presentes nos documentos governamentais sobre a política. É o caso das lideranças e organizações indígenas no Brasil"", destaca.
O volume tem como base as investigações conduzidas no âmbito da pesquisa ""Saúde dos Povos Indígenas no Brasil: perspectivas históricas, socioculturais"", coordenada por Ventura e Pontes. O projeto é financiado pela Wellcome Trust, fundação com foco em pesquisas de saúde sediada em Londres. O livro é dividido em duas partes, que dialogam e se complementam a partir de pesquisas, entrevistas e vasto acervo documental. Os 14 autoras e autores participantes ""se reportam ao prolongado e complexo caminho percorrido até o que veio a ser a Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena, que envolveu dimensões de protagonismo indígena e indigenista até o momento pouco explorados na literatura"".
Denominada Contextos e Atores no Cenário da (In)Visibilidade da Saúde Indígena, a primeira parte da coletânea agrega seis capítulos, com textos dedicados à atuação de diferentes sujeitos políticos na área de saúde dos povos indígenas com foco predominante nas décadas de 1970 e 1980. Felipe Machado cita instituições (fundadas durante a ditadura militar) e personagens fundamentais para a abordagem desse percurso. A lista inclui órgãos de Estado e organizações não governamentais, como o Conselho Indigenista Missionário - Cimi (organismo fundado em 1972 e vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), a União das Nações Indígenas (fundada no início dos anos 1980 pelo ativista Ailton Krenak), o Centro Ecumênico de Documentação e Informação - Cedi (1974), a Fundação Nacional do Índio - Funai (órgão indigenista oficial do Estado brasileiro, criado em 1967), além da atuação de pesquisadores que foram fundamentais na articulação e na composição de todo esse debate.
Os outros sete capítulos integram a segunda parte, intitulada Trajetórias e Articulações na Formulação do Subsistema, com os autores se debruçando sobre as questões ligadas à reforma sanitária indigenista, relacionadas aos contextos regionais e nacional. ""Abordamos de que forma os movimentos indígenas e indigenista se relacionaram e se articularam com o movimento da reforma sanitária brasileira em geral, permitindo, por exemplo, a tramitação da Lei Arouca"", explica Machado.
O ativismo e o protagonismo do movimento indígena
Ao relembrarem o processo de fechamento dos textos que integram a coletânea, os organizadores salientam como a pandemia evidenciou as fragilidades do Subsistema de Saúde Indígena. Porém, Ana Lúcia Pontes alerta que, em meio a um cenário tão adverso, as múltiplas e ativas expressões do movimento indígena têm se sobressaído ainda mais. ""Esse protagonismo tem não somente impulsionado estratégias de enfrentamento à Covid-19 em seus territórios, como também cobrado a respost