Obra repleta de fragmentos reais da vida do autor escritos de maneira inteligente, salpicados com doses sutis de requintado humor, aspectos históricos e cenas do cotidiano. Manoel Ferreira Leite inicia seu relato no século XIX, com a emigração de Portugal e clandestinidade no Brasil de um antepassado seu. Suas eloqüentes histórias lembram lavadeiras corando roupa nas ruas, uma preguiçosa torneira pública, pãezinhos de tostão, a várzea do Rio Paraíba, pés descalços, lagoas e surras de vara, realidades de sua infância vivida em Lorena, interior de São Paulo. A narrativa viaja pela Estrada de Ferro Central do Brasil, percorre outros recantos, chega a São Paulo. No Cine Rio Branco e no Guarany, filme mudo com músicos ao vivo. No Santa Helena, platéia com ''cadeiras de palhinha, e a geral, com longos bancos próximos da tela, separada por uma divisória de madeira''. O legado do autor emociona pela riqueza de detalhes que conduzem o leitor; da vida no circo à Pensão São Carlos, na Rua Aurora; do gramofone e da lamparina a querosene à construção do estádio do Pacaembu; de Ponta Porã a São José dos Campos. Recorda superstições como abandonar um calçado com a sola para cima, descer da cama tocando o chão primeiramente com o pé esquerdo, andar de costas, dormir com meias nos pés. Revive personagens míticos como saci, lobisomem, mula-sem-cabeça. Apresenta sua trajetória de vida, dos bancos do Grupo Escolar Gabriel Prestes à Folha de S. Paulo. Na segunda parte do livro, o autor apresentatrês contos garimpados em suas ''entranhas literárias''. Enfim, uma obra que arrebata o leitor já no primeiro parágrafo.