As práticas punitivas de nossos ameríncolas receberam a atenção de alguns destacados juristas brasileiros, como Clóvis Bevilaqua, Roberto Lyra e mais recentemente João Bernardino Gonzaga. Como da formação dos juristas estão ausentes tanto a antropologia quanto a metodologia da história, sempre que algum de nós se dispõe a desenvolver uma pesquisa dessa natureza está numa situação parecida com militantes do MST: está ultrapassando uma cerca para ocupar terra vigiada por ferozes mastins metodológicos. É ótimo que Mestres com formação em História (basta olhar para a produção brilhante de Antonio Carlos Wolkmer & orientandos, ou de Arno Welling & orientandos, ou de Gizlene Neder & orientandos - para ficar apenas em três excepcionais Mestres) estejam investigando os sistemas penais brasileiros e abrindo picadas epistemológicas para todos nós. Mas temos também o direito de contar aquilo que vivemos e de conversar com as vítimas de sistemas penais passados para compreendermos melhor o terrível sistema penal do presente.
O estudo de João Carlos Castellar é ao mesmo tempo saboroso e profundo. Uma escrita espirituosa e ágil leva o leitor de uma aldeia tupinambá à incompreensão dos tribunais de hoje sobre o bis in idem entre a punição tribal-antropológica e a pena pública que, como demonstra seu próprio nascimento histórico europeu, não gosta de concorrentes. Aliás o trabalho se encerra com uma pergunta: porque, nesta nação múltipla que reuniu os nativos da América portuguesa, os africanos para cá desterrados e os saqueadores europeus, nossas leis penais “mantêm fincadas suas matrizes no direito ibérico”? (Nilo Batista)