A participação de pessoas vulneráveis protegidas pelo ECA e pelo EPD, principalmente em relações contratuais, historicamente vem sendo rejeitada por parte da doutrina. No entanto, os pequenos negócios do quotidiano, que são os mais comuns na prática diária, sempre tiveram boa aceitação no trato social, sem maiores questionamentos. Adolescentes que celebram um contrato de transporte ao tomar um ônibus para ir à escola, crianças que adquirem algum alimento na lanchonete vizinha, pessoas com deficiência que mesmo antes do EPD já participavam ativamente de alguma atividade econômica; todas as situações jurídicas correntes e aceitas no meio social, mesmo sem a presença de algum representante legal. Ocorre que, apesar de a realidade caminhar em um sentido, o Código Civil permaneceu em outro, eis que a estrutura de atribuição de capacidade de exercício manteve-se genérica e abstrata, prescindindo da verificação sobre as situações concretas das pessoas.
A Lei Brasileira de Inclusão, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, acrescentou ainda maior dificuldade à manutenção de ideias ligadas ao sistema estático de atribuição de capacidade de exercício do Código Civil, eis que estabeleceu capacidade plena a todas as pessoas com deficiência para o exercício pessoal de seus direitos, ainda que sem perfeito discernimento sobre a situação jurídica vivenciada.
O presente trabalho, longe de pretender ser porto de chegada, traz uma proposta que convida ao debate sobre a possibilidade de contratar, a partir do real da situação vivenciada por cada pessoa, tomando-se como base seu discernimento. Nesse caminho inclusivo há que se estabelecer algumas condições suficientes para o exercício pessoal, visando prestigiar o livre desenvolvimento, a necessária proteção e a exteriorização da personalidade, mas sem descurar das expectativas de segurança do tráfico negocial hodierno.