A temática da vida humana, sem dúvida, impõe os desafios dos mais diversos. Os obstáculos já começam na pluralidade de discursos que buscam defini-la e delimitá-la, cada um sempre tendencialmente interessado em ocupar uma posição hegemônica. O conceito de vida, sob a ótica jurídico-penal, influencia-se e disputa, simultaneamente, com concepções filosóficas, biológicas e principalmente religiosas sobre a questão. O Direito Penal, portanto, encontra um espaço de pouquíssima independência normativa de definições, pois a sua forma de entender o tema depende de valorações que lhe são totalmente estranhas, as quais, ora sorrateira e inconscientemente, ora explícita e deliberadamente, restringem as soluções jurídicas. Daí toda a dificuldade histórica existente para a colocação na arena pública de discussões abertas e francas sobre o aborto, a eutanásia ou o próprio suicídio.
Nesse contexto, a autora encontra um verdadeiro dilema, ou contradição, dos discursos sobre a vida humana, o qual me permito sintetizá-lo na seguinte frase: a vida é algo, ao mesmo tempo, de um e de todos. Ou seja, por um lado, é a minha condição exclusiva de existir, um pressuposto essencial e umbilicalmente meu, excessivamente privado e individual. Por outro lado, entretanto, discursos sustentam dotá-la de um pertencimento coletivo, um dever diante da comunidade, um fator público e, nesse sentido, inalienável. Em suma, todo sujeito tem a inegável capacidade fática de autodestruição, mas possui o dever normativo de manter-se, a qualquer custo, vivendo.
Alamiro Velludo Salvador Netto