O pensamento de Martin Heidegger possui muitas possibilidades de contribuição para a psicologia e para a compreensão dos transtornos existenciais em geral. A partir da descrição originária do ser do homem como ser-no-mundo, Heidegger abre uma possibilidade de alcançar uma clara percepção dos dilemas originários de um ente marcado por uma ausência inicial de determinações ontológicas que só chega propriamente a si mesmo por meio de ações que se nutrem sempre, de início e na maioria das vezes, de orientações fornecidas pelo horizonte histórico do mundo que é o seu. Por não ser senão os seus modos de ser, ou seja, por não ser nada de antemão dado, mas sempre um poder-ser em constante dinâmica de realização de seu ser, o homem não possui não possui a princípio em si mesmo nenhuma estabilidade existencial e depende, por isso, de seu mundo para que ele possa experimentar algum tipo de estabilidade em seu ser e para que, assim, ele possa se constituir em sua identidade cotidiana. Em meio a essa descrição, ele fornece ao mesmo tempo uma chave para a compreensão do lugar do sentido na estruturação da existência, assim como para uma reestruturação do modo de avaliação do existir a partir da noção de um projeto afetivo de espaço, que sustente, ele sim, todas as nossas possibilidades de ser. Essas são contribuições indeléveis de Heidegger para a psicologia. De qualquer modo, junto com essas contribuições, fala alto uma igualmente decisiva: o caráter do mundo enquanto espaço compartilhado, enquanto espaço de convivência, de coexistência entre os seres-aí humanos. Tratar desse elemento no âmbito da terapia de grupo é a grande descoberta do livro de Ana Tereza Camasmie e a sua força mais fundamental. Pensar a terapia de grupo no âmbito da filosofia de Heidegger não é, isso descobrimos em meio à leitura de seu texto, senão ir ao coração dos intuitos mais próprios de Heidegger e, seguindo uma formulação de Binswanger em seu texto “Psicopatologia como patologia do espaço”, pensar a terapia a partir do espaço da convivência e não o contrário. O livro de Camasmie, com isso, resgata a psicoterapia de grupo e revela nela potencialidades já aparentemente perdidas. É por isso que seu livro merece um lugar privilegiado no universo da tradição de uma psicologia fenomenológico-existencial.