Por se ocupar das coisas fugidias e com prazo de validade curtíssimo, a crônica é guardiã das coisas íntimas, de fatos corriqueiros que trazem em si a chama potente da sensibilidade. Daí resulta a importância da contemplação do cronista e o seu dom de transformar a simplicidade, uma das coisas mais raras num ser humano, em uma qualidade insólita, como afirmou Clarice Lispector. Considerada um gênero menor, paradoxalmente a crônica contribuiu para consagrar nomes da estatura de Rubem Braga, Lima Barreto, Cecília Meireles e Luis Fernando Verissimo. As crônicas de João Mendonça nos conduzem por um painel diáfano e urbano, por onde ele circula com seu olhar e discorre sobre os problemas insolúveis do mundo, a infância, a natureza, a liberdade criativa do ócio, as perdas, a recordação afetiva de um tempo tão distante que já nem parecia mais ter sentido. Se em algumas páginas, João deixa fluir todo seu pensamento abstrato que pode nos causar certo estranhamento, em outras, ele nos lança de encontro a um estado de torpor ao nos apresentar sua relação quase religiosa com o anão do Bahia na velha Fonte Nova lotada. Ou quando nos pega pela mão e nos faz cavar com ele a areia de um parquinho de onde são exumadas as suas memórias mais profundas. Neste seu quarto trabalho individual, João Mendonça se revela um autor mais consciente do que ele próprio poderia supor. Como rito de passagem, este livro representa seu encontro definitivo com o ofício pelo qual ele tem verdadeiro encantamento. Ainda que nada mais reste após o sol se apagar.