Com um pano de fundo radicalmente contempora^neo, em que se conjugam reviravoltas poli´ticas do Leste Europeu e as constantes ameac¸as em prol de ditaduras sanguina´rias, Ra´dio Noite, o mais recente livro do escritor ucraniano Yuri Andrukho´vytch, ja´ foi classificado como um romance acu´stico, uma saga revoluciona´ria, um suspense de espionagem e uma paro´dia biogra´fica.
O livro traz elementos desses ge^neros narrativos — e va´rios outros — para contar a histo´ria de seu protagonista, Jossyp Rotsky, um mu´sico de rock de identidade obscura e hero´i revoluciona´rio. Entusiasta dos mais diversos tipos de mu´sica — do progressivo ao punk; do jazz ao cla´ssico; e outras dezenas de ge^neros —, Rotsky viajou por anos como tecladista de uma banda de rock antes de retornar ao seu pai´s natal e perceber uma revolta se formando contra o “penu´ltimo ditador da Europa”.
Ao participar da revoluc¸a~o, Jossyp Rotsky se ve^ obrigado a emigrar, dando ini´cio a uma se´rie de fugas cinematogra´ficas que colocara~o o pianista de barricadas em situac¸o~es que oscilam do se´rio e real ao co^mico e absurdo, ao lado de personagens na~o menos surreais — entre eles, seu fiel escudeiro, um corvo de nome Edgar.
Escrito antes da invasa~o da Ucra^nia pela Ru´ssia em 2022, Ra´dio Noite parece prever muito do que viria a acontecer, onde a incri´vel atualidade poli´tica funciona como ponto de partida de uma virtuosa ficc¸a~o — hila´ria, fanta´stica, surrealista, absurda, real e se´ria ao mesmo tempo —, e na~o de uma reconstruc¸a~o do curso dos acontecimentos dos u´ltimos anos.
Como em um thriller, em que se quer sempre avanc¸ar na histo´ria e desvenda´-la, o livro prende o leitor do ini´cio ao final, intercalando a histo´ria, contada em terceira pessoa, com capi´tulos narrados pelo pro´prio Jossyp Rotsky, em uma transmissa~o de ra´dio que atravessa o romance: “Se Deus e´ nosso pai, o diabo e´ nosso amigo insepara´vel. Voce^ esta´ ouvindo a Ra´dio Noite, e quem fala e´ Jossyp Rotsky, vulgo Jos. Acaba de dar meia-noite, e eu fico por aqui ate´ de manha~”. Em uma “ilha que na~o tem nome”, ostracizado numa espe´cie de purgato´rio, Rotsky transmite mu´sica e conta sua saga juntando poesia ao relato melanco´lico dos acontecimentos que testemunhou.