Lima Barreto escreve em um momento de grande prestígio da atividade intelectual. A fundação da Academia Brasileira de Letras, em 1897, foi um dos marcos dessa valorização. Recordações do Escrivão Isaías Caminha mostra outra visão dos intelectuais, retratados como seres mesquinhos e movidos por ambições pessoais. A época em que Lima Barreto se desenvolve como escritor é imediatamente posterior à abolição da escravatura. Trata-se de um momento no qual a condição social do negro é vista ainda com certa desconfiança e a liberdade conseguida se mostra bastante fragilizada pelo preconceito racial arraigado. A trajetória de Isaías Caminha encerra um dilema interessante: de um lado, a simpatia pelos famintos; de outro, o terror de se tornar um deles. A primeira postura o leva ao Rio de Janeiro, em busca de estudo e de uma formação que lhe permita lutar pelos desvalidos. Seu projeto humanitário é, no entanto, frustrado pela própria sociedade, que o impede de levá-lo adiante ao não lhe conceber oportunidades em função de sua condição de mulato. Sem saída, Isaías cai no pânico da fome, tornando-se alguém capaz de fazer qualquer coisa para sobreviver, o que o levará à ambição desmedida e à presunção orgulhosa. Desse modo, o livro se coloca como denúncia do preconceito, mas não apenas sob o prisma de seus desdobramentos sociais, mas abordando também o que ele pode provocar na formação do caráter.