O presente trabalho se constitui numa das obras de referência para o diálogo entre as ciências criminais (especialmente o direito e o processo penal) e a história do direito. Ultrapassando a concepção de utilização da história como mero mecanismo de erudição do jurista, realiza-se neste livro uma vigorosa análise histórica de como as legislações penal e processual penal eram interpretadas e aplicadas pelo Supremo Tribunal de Justiça do Império.A competência recursal criminal do Supremo Tribunal de Justiça do Império, durante os anos de 1841 a 1871, se constitui no foco de pesquisa deste trabalho que discute, especialmente, como se amoldaram e como se compuseram as matrizes ligadas ao liberalismo penal então nascente, e o característico clientelismo das nossas instituições administrativas e judiciais. Para tal fim, procurou-se delimitar o discurso liberal então utilizado, e o clientelismo, enquanto mecanismo por excelência de práticas sociais como as trocas de favor, as arbitrariedades e o favoritismo, dentre outros traços. Destes referenciais, e a partir da noção de sistema penal legada pela criminologia contemporânea, a pesquisa traça um painel das estruturas penais e processuais penais então vigentes, e a forma como eram aplicadas em termos práticos em análise que procura acompanhar como as leis penais e processuais eram interpretadas e aplicadas à época, o papel dos Ministros, e a própria institucionalização autônoma do Supremo Tribunal de Justiça do Império que, ao fim e ao cabo, lastrearam a modernização liberal do Direito Penal e do processo penal brasileiro novecentista. BIBLIOTECA DE HISTÓRIA DO DIREITOO Direito, como tudo e todos, está inserido no tempo. Como ocorre no âmbito social, cada elemento do âmbito jurídico está imerso em condições que não podem se desprender de sua história. Só se compreende o Direito de modo efetivo quando se lhe conecta com o que nos antecedeu e com o que herdamos do passado. Nada, afinal, tem sua existência destacada das condições históricas que produzem nosso presente. Nossa tradição teórica do Direito, rompendo amarras que ora lhe impunha o formalismo positivista, ora lhe impunha o idealismo jusnaturalista - ambos avessos à historicização do jurídico e incapazes de escapar da mitificação de seu presente - finalmente volta sua atenção para a História do Direito como um instrumento de análise riquíssimo e imprescindível para que todo jurista compreenda o mundo que habita e atua.Mas voltar os olhos para o passado (e para o passado do Direito) não é tarefa simples e automática. Como em toda ciência, exige teoria e metodologia. Sem elas, o resgate histórico jurídico corre o risco de ser uma mera recuperação vazia e inócua de dados pretéritos. Ou, pior ainda, ao estabelecer uma continuidade muitas vezes artificial e sem mediações entre o ontem e o hoje, pode resultar num instrumento banal para demonstrar a inevitabilidade do presente, colocando-o como ponto de chegada natural e consequente de um curso histórico homogêneo, resultando numa celebração acrítica do presente e de suas instituições.Esta coleção, ao contrário, levando a sério a complexidade que envolve o conhecimento do passado jurídico, busca uma historiografia do Direito que além de compreender e explicar, saiba também relativizar e desmistificar, de modo que o presente jurídico surja como um campo de reflexão complexo e cheio de alternativas e não como o ponto de chegada natural de um tranquilo processo linear.Ricardo Marcelo FonsecaCoordenador da Biblioteca de História do Direito