Relatos de viagens efetivamente realizadas por estrangeiros no Brasil são reconhecidos como fontes fundamentais para o estudo da história do Brasil oitocentista. Isso reconhecem-no não somente os historiadores, mas também estudiosos das diferentes disciplinas abrigadas sob o campo das “ciências sociais”. Importa reconhecer, entretanto, que a crescente importância atribuída a esses corpora como fontes privilegiadas de informações para as diferentes áreas acadêmicas no Brasil deveu-se menos à descoberta e/ou disponibilização de novos relatos – seja em língua estrangeira ou em traduções – do que ao surgimento de novas teorias sobre linguagem e discurso, bem como à construção de novas angulações e metodologias na abordagem desses corpora. Tais novidades teóricas e metodológicas vêm lançando novas luzes sobre aspectos fundamentais envolvidos nessa abordagem, dos quais dois aqui se destacam. O primeiro, o entendimento do relato de viagem como ação social concreta, ativa, e não como exclusiva prática de representação. Este entendimento vem permitindo a ultrapassagem de concepções historiográficas tradicionais que tomam o relato exclusivamente como mero receptáculo de algo inteiramente pré-constituído fora dele. Com isso, a prática discursiva do viajante vem sendo abordada em termos de sua espessura histórica concreta. O segundo aspecto, corolário do primeiro, é o reconhecimento crítico de como os relatos de viajantes naturalizam a todo instante valores eurocêntricos como “universais”, e das consequências ideológicas de tal naturalização até os dias de hoje.