No Brasil, até o final dos anos 1970, aborto era objeto dos estudos de direito penal e da ginecologia obstetrícia, assunto de confessionário, ou problema de polícia. A democratização e a segunda onda feminista extraíram o tema desses enclaves, fazendo dele questão de direitos numa inscrição política. Ao longo das últimas quatro décadas, porém, tem sido relativamente escassos os estudos sobre aborto como tema fundamentalmente político. Exceção à regra foram os trabalhos da saudosa Maria Isabel Baltar sobre os debates parlamentares sobre aborto. Só muito recentemente registra-se a inclusão, ainda tímida, do tema nas pautas de pesquisa da ciência política. Inclusão tardia quando se considera o peso relativo do aborto na campanha presidencial de 2010, e os efeitos deletérios subsequentes que isso implicou. Rulian Emmerick retoma os caminhos abertos por Isabel Baltar e - recorrendo a Mouffe e Habermas - situa as ácidas controvérsias atuais em torno ao aborto em molduras teóricas mais amplas sobre pluralidade, consenso e conflito nas democracias contemporâneas. Nomeia as feministas como atrizes fundamentais nesse palco e examina as visões e o peso político crescente do dogmatismo religioso. Ao fazer isso interpreta o papel e lugar das vozes dogmáticas a partir de autores como Casanova e Vaggione que interrogam as visões simplistas e teleológicas acerca da secularização e laicidade. Não menos importante o livro revê, sistematicamente, os retrocessos observados no plano legislativo desde 2005. A data é um marco pois foi então que fracassou o esforço da Comissão Tripartite, criada no ano anterior, para rever os artigos do Código Penal relativos ao aborto, encerrando-se então um ciclo de duas décadas de evolução virtuosa do debate sobre a questão no Congresso brasileiro. Trata-se de uma contribuição inequívoca para a pesquisa e para a política democrática do aborto Brasil. Sonia Corrêa Pesquisadora associada da ABIA e co-coordenadora do Observatório de Sexualidade e Política.