Por mais decadentes que pareçam os personagens que compõem a impressionante galeria de tipos humanos (e não humanos) presentes neste livro, eles têm uma densidade que só grandes escritores conseguem atingir. É difícil não sentir uma atração irresistível por suas existências infames. Como provou em Trainspotting, Irvine Welsh sabe explorar as lixeiras do capitalismo e os escombros do tradicionalismo europeu. Frutos de sua viagem pelo submundo da sociedade escocesa, o autor constrói personagens como um marido que só pensa em futebol mesmo que sua mulher tenha acabado de perder as duas pernas, e um encrenqueiro à procura de um pretexto para atacar o simpático noivo da irmã durante a ceia de Natal. Há ainda um extraterrestre que se regozija observando os terráqueos e um homofóbico que tem um colapso após passar a noite com a irmã gêmea do seu melhor amigo. No inédito "Eu sou Miami", Welsh narra a estadia de um velho educador escocês recém-enviuvado na Flórida. Carregando a Bíblia para todos os lados, Albert Black reencontra dois antigos alunos rebeldes e sucumbe diante da constatação de que a sua moral cristã iluminista perdeu a batalha para um mercado profano e amoral. Um conto impressionante, no qual Welsh explora os antagonismos socioculturais que permeiam sua aclamada obra.